Como o 25 de Abril mudou a vida delas
A revolução foi vivida com especial alegria por quem ainda era considerado o sexo fraco e não podia votar, ser juíza ou diplomata. A propósito do dia 8 de março, oito mulheres contam à SÁBADO qual foi a alteração mais importante.
Durante a ditadura as mulheres só podiam trabalhar com a autorização do marido e ganhavam menos 40% do que os homens. Não podiam ser juízas, diplomatas ou polícias, as enfermeiras e hospedeiras não se podiam casar. Até 1969, só podiam viajar para o estrangeiro com autorização escrita do marido. O fim do casamento católico não era permitido e as mulheres que tinham filhos de outras relações não tinham proteção legal, nem sequer acesso aos hospitais. "O tio-avô de Jorge Sampaio, Abraão Bensaúde, abriu uma casa de saúde, à frente do Hospital Curry Cabral, para assistir estas mulheres", conta Zita Seabra.
O voto só foi permitido em 1968, mas a quem soubesse ler e escrever e 31% das mulheres eram analfabetas, segundo a Pordata. Tudo foi alterado na lei após o 25 de Abril. "Muito ainda está por alcançar, mas ter na Constituição a garantia de igualdade foi um avanço enorme", conclui a escritora Isabel Alçada.
72 anos
Atriz
"Na altura, não tive noção do que se estava a passar e do que iria mudar"
73 anos
Escritora
"Antes do 25 de Abril a própria lei era discriminatória da mulher"
Ana Gomes
70 anos
Ex-diplomata
"Houve imensas pessoas com a vida estragada porque não se podiam divorciar"
Teresa Guilherme
68 anos
Apresentadora
"O 1.º de Maio foi uma festa como nunca antes se tinha visto em Portugal"
"A primeira alteração foi sem dúvida o poder votar. As primeiras eleições foram emocionantes. Tinha 18 anos, já pensava que ia mudar o mundo e a grande emoção de ir votar ficou-me na memória. Foi um ato de responsabilidade. E depois foi a festa nas ruas que tomou dimensões enormes no 1º de Maio. O estádio onde se realizou a festa, e que depois se chamou 1º de Maio, era atrás da minha casa. Foi a primeira vez que vi o Mário Soares e o Álvaro Cunhal. Foi uma festa como nunca antes se tinha visto em Portugal. Nunca tinha visto tanta gente na rua. Andei a passear pela Av. de Roma e havia uma partilha grande. Antes não se falava com as pessoas na rua. Lembro-me dos conselhos das avós para não se falar sobre certos temas nos táxis, com medo da Pide. Não havia confraternização. Até porque, mais de três pessoas a falar era considerado suspeito. Naquele dia estavam milhares na rua a manifestarem-se. Poder dar a opinião na rua e nas urnas foi o que mais me marcou."
Lídia Jorge
77 anos
Escritora
"Em criança ouvia dizer que as mulheres não tinham palavra de honra"
"O surgimento do novo código de família que permitiu o divórcio foi crucial do ponto de vista legal e simbólico: a ideia de que o casamento era algo indissolúvel. Acabou com a violência calada da submissão da mulher, com a ideia de que cada planta deve florir lá onde Deus a plantou. E levou os homens a verem as mulheres como parceiras. A segunda medida mais importante foi a abertura de profissões que estavam vedadas. As mulheres poderem ser juízas foi extraordinário, foi um ato supremo de crença na capacidade feminina. Imaginar uma mulher polícia era impensável. Em criança ouvia dizer que as mulheres não tinham contenção verbal, nem palavra de honra. E quando era adolescente ouvi uma professora a aconselhar alunas a não irem para Direito porque as mulheres eram muito afetivas e não tinham capacidade para julgar. A mulher era um ser humano com defeito. Isso foi ultrapassado. Sem isso, a minha vida teria sido diferente. Possivelmente não teria sido escritora."
Zita Seabra
74 anos
Editora
"Não havia coisa mais terrível do que ser filho ilegítimo"
"A primeira coisa que fiz na madrugada do 25 de Abril foi ligar para os meus pais. Vivia na clandestinidade e não nos víamos há anos. A alteração mais importante foi a consagração na Constituição da igualdade de direitos entre homens e mulheres, que obrigou à modificação de toda a legislação que discriminava as mulheres e era muita. Mas a medida mais importante para mim foi o fim dos filhos ilegítimos. Antes do 25 de Abril, quem não era reconhecido pelo pai não tinha qualquer direito, incluindo à herança, e passou a ter todos. Não havia coisa mais terrível do que ser filho ilegítimo e muitas mulheres juntavam os nomes Espírito Santo para que os filhos não ficassem sem um segundo apelido. Apareceram irmãos bastardos em muitas famílias de bem, porque bastava a mãe indicar quem era o pai e este é que tinha de demonstrar que não o era. Orgulho-me muito de ter participado na comissão que fez esta alteração. Foi revolucionário."
Maria Filomena Mónica
81 anos
Socióloga
"Gostei da ideia do divórcio. Eu casara-me pela Igreja por pressão familiar"
Ana Salazar
82 anos
Estilista
"Não votar é péssimo. Mas tem de ser feito com cabeça, com conhecimento"
"Já era uma mulher independente quando aconteceu o 25 de Abril e nunca senti a repressão do Estado Novo. Casei-me com 16 anos, obrigada pela minha mãe que não quis que eu fosse viver com o Manuel sem casar. Ela tinha esses preconceitos, mas o meu marido era progressista e nunca me limitou. Desde os meus 20 anos que trabalhava como secretária de administração de uma empresa de importação e exportação e nunca lhe pedi autorização. Trabalhava e estudava inglês, alemão e francês. Penso que a grande medida do 25 de Abril foi o direito de votar. Não sabia que as mulheres não podiam votar e, na verdade, não votei nas primeiras eleições. Agora penso que não votar é péssimo. Mas tem de ser feito com cabeça, com cultura, com conhecimento. Nunca imaginei que fosse possível ser estilista, mas penso que teria sido mesmo sem o 25 de Abril. Abri a minha loja A Maçã, em 1972, e passava mais tempo em Londres e Paris do que em Portugal."
Fotografia Luís Manuel Neves, Bruno Colaço,Sérgio Lemos, João Cortesão
Vídeos Bernardo Franco
Edição Leonor Riso
Webdesign Edgar Lorga
Produção multimédia Sandro Martins
Edições do Dia
Boas leituras!