Secções
Entrar

Elza Soares: "Quem não tem voz, grita"

17 de julho de 2019 às 07:08

"Todos nós somos visíveis, não existe o invisível", reflete a cantora brasileira, acreditando que os mais vulneráveis serão "empoderados" através da educação e da cultura.

A artista brasileira Elza Soares, que está em Portugal para lançar a sua biografia e apresentar um novo disco, rejeita a invisibilidade e o racismo, apelando a quem não tem voz para que grite.

"Todos nós somos visíveis, não existe o invisível", reflete, acreditando que os mais vulneráveis serão "empoderados" através da educação e da cultura.

Entrevistada pela agência Lusa na Livraria da Travessa, em Lisboa, onde apresentou a sua biografia, escrita pelo jornalista Zeca Camargo, Elza Soares assumiu-se "totalmente" feminista, o que, para ela, significa "ter coragem de gritar que se é mulher".

Octogenária -- embora diga que não tem idade, mas apenas tempo --, Elza Soares assistiu a "muita transformação" nas mulheres. No passado, "não falavam nada, iam caladas". Hoje, "estão falando, as mulheres estão mais unidas, (...) mais conscientes da necessidade umas das outras", compara.

A cantora acredita "piamente" que o mundo seria mais justo se as mulheres liderassem. "Se o mundo fosse dominado por nós, mulheres, tudo teria sido (...) bem diferente, muito mais suave", prevê.

"Tanto faz ser branca como ser negra, se é mulher já é discriminada, por isso é que a união da mulher é muito importante", insiste.

"A fome continua, eu hoje tenho fome de tudo, tenho fome de saúde, tenho fome de paz, tenho fome de amor, tenho fome de cultura, enfim, a fome continua. A fome não é só comida, a fome é tudo isso que você sente", constata.

Sobre a biografia de "sacrifício e coragem" que Zeca Camargo escreveu --- "Elza" --, Elza Soares diz que "conta a história de uma vida que não era para dar certo" -- mulher, negra, pobre -, mas que deu. "A vida depende de como ela é vivida", resume, como se fosse simples.

Elza Soares está em Portugal para um 'dois-em-um' -- além da biografia, veio apresentar o seu novo disco, "Deus é Mulher", com um concerto logo à noite, no Capitólio, em Lisboa. É o seu 83.º disco, mas o primeiro depois do trabalho galardoado com o Grammy Latino, "Mulher do Fim do Mundo".

"Deus é mulher pela paz, deus é mulher pela paciência, deus é mãe. Já viu coisa mais sensível do que a mulher ser mãe?", pergunta, justificando a escolha do título do disco.

Elza Soares vê "o Brasil de sempre", quando se lhe pedem comparações que a sua idade permite fazer. "Não falo nele", recusa. Ele é Jair Bolsonaro, o atual presidente do Brasil. "Não falo de política. Falo em nós, o povo. O povo, querendo, modifica. A voz do povo é a voz de deus. Basta o povo dizer 'sim' e tudo será sim", frisa. À pergunta se o povo brasileiro está desperto, responde: "Está ficando esperto."

Elza Soares nota que "o povo está mais escondido, mas de repente ele vai par a rua", acredita. "Precisava muito de ir mais para rua, muito mais", insta.

Em todas as conversas com os jornalistas, a artista quis recordar o momento em que se cruzou com Amália Rodrigues, no Brasil, num programa em que esta cantou um samba e ela um fado ("Nem às paredes confesso"). "Foi muito bom", recorda, pedindo aos fadistas portugueses que escrevam "um fado para a Elza".

No final, Elza Soares deixou uma mensagem às mulheres portuguesas e brasileiras que vivem em Portugal. "Denuncie, não se deixe ser castigada pela violência. A mulher é o mundo, o mudo sem mulher não existe. Nós temos de nos valorizar, cada vez mais. Denuncie, mulher, não aceite a violência, por favor."

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela