Fazemos muito, e em alguns casos fazemos muito mais do que aquilo que fomos feitos para fazer. Conseguir não fazer nada sem que pensemos no muito que poderíamos estar a fazer, esse sim, é o verdadeiro descanso.
NÃO FAZER NADA parece muito mais fácil do que na realidade é. Implica muita coisa – tantos músculos e tanta vontade –, que à vista desarmada pode parecer que é só a ausência disso tudo que nos deixa imóveis. Cada vez que temos uma oportunidade para não fazer nada, há qualquer coisa que nos faz sentir que devíamos estar a fazer tudo, que estamos a falhar às obrigações silenciosas que nos assombram. A culpa senta-se ao nosso lado e fica a olhar para nós, à espera que reparemos que ela ali está, que a vejamos pelo canto do olho, e nos levantemos para fazer o que passa bem sem nós. Conseguir estar parado, sem fazer aparentemente nada, só a existir, pode ser a coisa mais difícil que acontece no dia de alguém. Não fazer nada é muito mais do que a frase diz. O ócio é um território de reflexão, é uma celebração do nada, é a constatação da beleza de um olhar perdido na janela; é um intervalo entre o não fazer e o fazer, um estado que transcende a mera inactividade. São tréguas feitas com a sofreguidão de querer estar sempre a resolver, em todo o lado ao mesmo tempo, sempre disponível para o que há e o que há-de vir. Achamos que não temos direito a não fazer nada, porque nos convencemos que temos de estar sempre a fazer muito. Mesmo que dobremos os joelhos a antecipar o chão, a vida empurra-nos para a frente e damos por nós em passada rápida, sem sabermos se é a pressa ou o hábito que nos faz mexer assim. O corpo habitua-se a esse ritmo e estranha quando ele desacelera, como alguém que dorme num comboio e acorda porque ele subitamente parou. A ausência de trepidação faz com que o alerta se espalhe pelos membros todos, disparam alarmes perante o sufoco do sossego, e obriga-nos a agir para que não reparem no deslize que cometemos. Fazemos muito, e em alguns casos fazemos muito mais do que aquilo que fomos feitos para fazer. Conseguir não fazer nada sem que pensemos no muito que poderíamos estar a fazer, esse sim, é o verdadeiro descanso. Vamos de férias e demoramos cerca de dois dias até ajustar o ritmo, até percebermos que ninguém está à espera de respostas nossas se nós decidirmos que não estamos disponíveis para as dar, que o trabalho segue mesmo sem a nossa presença, e sobretudo que nós seguimos sem ele. Essa constatação pode ser um baque, um contratempo nas contas que julgávamos saber de cor. O ócio é o troféu merecido depois das horas e horas que estivemos a ter de marrar de frente com a pressa dos dias. Há poucas pessoas capazes de não fazer nada sem estarem preocupadas com o julgamento dos outros, porque o ócio é parente da preguiça, como uma malandrice, uma chico-espertice para não fazer, uma forma de nos rirmos de quem continua a levantar-se e a ir.
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