Sábado – Pense por si

Bruno Nogueira
Bruno Nogueira Humorista
02 de fevereiro de 2023 às 08:00

Isto não é o que parece

Carlos Moedas diz-nos que as Jornadas da Juventude que receberão o Papa serão “o maior evento das nossas vidas”, e que o retorno será maior do que o investimento. Mas nenhuma das pessoas que mora em situações precárias na cidade de Lisboa consegue olhar para estes números e imaginar uma casa onde os filhos possam ter uma vida feliz. Porque sabem que esse dinheiro não chegará às mãos deles.

Isto de não nos mentalizarmos que somos um País pobre é um problema que sai caro. Temos de estar sempre a lembrar tudo e todos que não somos o que parecemos, que não temos aquele dinheiro todo, que faz tudo parte de um plano para o qual não fomos convocados. A história repete-se vezes sem conta, e a nós, contribuintes, resta-nos atirar palavrões ao ar, dizer que isto assim não pode ser, e baixar a cabeça. Sabemos que não mandamos nada, e é essa a nossa sina. Não somos ricos para quem vive em Portugal, somos ricos para quem recebemos em Portugal. Pode parecer só um jogo de semântica, mas é a raiz de um mal antigo. É o nosso tipo de sangue, o nosso ADN, é uma cicatriz que vai lá estar sempre, na qual teimamos em dar um golpe cada vez mais fundo. Não aprendemos nada, seguimos em frente mesmo com toda a gente a gritar que vamos em sentido contrário. Não ouvimos, não cedemos, temos certezas de tudo, e dúvidas de nada. Visto de fora somos do tamanho de um país inteiro, mas de vez em quando vemos de perto e percebemos que as feridas estão todas por sarar, e que conseguimos ser os nossos maiores inimigos numa luta de nós contra nós, criada por nós. Somos ricos para todos menos para os portugueses; é o complexo do país pequeno que quer brincar aos grandes. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, diz-nos que as Jornadas da Juventude que receberão o Papa Francisco, serão "o maior evento das nossas vidas", e que o retorno será ainda maior do que o investimento. São apresentadas folhas de Excel que pretendem justificar a barbaridade de dinheiro que se vai gastar, e a maior ainda que se vai lucrar com isso. Mas não entendem de uma vez por todas uma coisa que já devíamos todos ter aprendido por esta altura: nunca seremos um País forte enquanto não percebemos que somos um País frágil. Nenhuma das pessoas que mora em situações precárias na cidade de Lisboa consegue olhar para estes números e imaginar uma casa onde os filhos possam ter uma vida feliz. Porque sabem que esse dinheiro que dizem que as Jornadas da Juventude trará de retorno à cidade não chegará às mãos deles, e muito menos às dos filhos. É o tal plano para o qual não fomos convocados, mas que nos dizem ser o melhor que temos em mãos.

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