As pessoas que viajam sozinhas, ou fogem, ou vão ao encontro de qualquer coisa; mas carregam um mistério que só elas sabem. Elas e os que não vemos, mas que estão ao lado delas.
UMA DAS COISAS que mais me descansa e alimenta a imaginação, é olhar para as pessoas. Havia uma altura da minha vida, em que combinava com mais dois amigos meus, e íamos para o Chiado, sentávamo-nos na Brasileira, e ficávamos a inventar vidas para quem passava. Imaginar a vida dos outros, que profissão têm, se gostam da vida que lhes calhou, ou se estão zangados com o mundo por não terem a vida que sonhavam. As caras das pessoas são bibliotecas de histórias. Guardam alegrias e dores, cansaços, anos, noites mal dormidas, riquezas e pobrezas, amores e desamores. Guardam-nas nas rugas, nas tensões da boca, no olhar – sobretudo no olhar. Há caras que trazem uma gravidade que nem elas reconhecem, mas ficam doces quando são apanhadas pelos olhos dos outros, num acto de contrição pela aspereza que sabem que carregam sem se darem conta. As caras dos outros estão cheias de histórias por descobrir. Escrevo esta crónica no jardim do hotel onde estou hospedado, em Marraquexe, e cada pessoa para quem olho está cheia de histórias por contar. À minha esquerda, na diagonal, está um casal de uns 70 anos de idade. Ela vê o telemóvel, ele lê um livro. Ela está mais feliz quando vê o que está naquele pequeno ecrã, do que quando vê o marido, ou o deslumbrante jardim que está à sua frente. Ele lê o livro com uma cara conformada, de um amor que já teve muitas subtilezas que encostaram cada um deles para um lado diferente do outro. À minha direita está um casal de uns 25 anos, que tem a energia e o espanto que aparece quando se descobre um país novo, e que o mundo afinal ainda está todo por descobrir. E ao fundo – é para lá que volto sempre o olhar –, está um homem sozinho. As pessoas que viajam sozinhas são as mais fascinantes e misteriosas. Terá sido uma decisão, ou uma consequência? Terá planeado a viagem quando ainda estava a namorar com alguém que entre a decisão e a viagem deixou de fazer parte da vida dele, ou teria com quem vir e preferiu não ter a companhia de ninguém? Viajar sozinho é um acto de coragem, e de aceitação. Ou de medo, pelo que está no sítio de onde saíram. Mas é difícil viajar para longe dos problemas, porque a nossa cabeça insiste em viajar connosco. Quem viaja sozinho consegue ultrapassar a difícil etapa de aceitar que não há ninguém da vida deles que ande ali ao lado para partilharem o que estão a descobrir. Todas as partilhas do que descobrirem, terão de ser feitas com pessoas que vão também elas descobrindo.
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