Passamos a vida a tentar ser o que corrigimos nos outros, a olhar de fora para o erro com uma superioridade toda ela feita de arrogância e medo de fazer igual, e acabamos por falhar tanto e tão estrondosamente que às vezes chegamos a ter vergonha de nós.
ESTAMOS NO AEROPORTO. Ali à frente está um pai sentado, e ao lado dele está a filha, que deve ter uns 3 anos. Está séria e calada, a balançar as pernas que não têm tamanho para chegar ao chão. Mas ainda há bocado a menina estava em pé, com uma mão agarrada ao joelho do pai, e no lugar onde agora está sentada, tinha um país de bonecos Lego que brincavam uns com os outros, e nesse país todos falavam com a voz daquela menina. De repente, num golpe dramático, um dos bonecos caiu ao chão, um gesto mal medido, sabe-se lá o que o levou até àquele desespero; a menina agachou-se para o apanhar, queria salvar o boneco do seu destino, avaliar-lhe as dores. Quando a menina voltou a levantar-se, a cara séria do pai disse-lhe: “livra-te de deixar cair mais algum boneco no chão”. A menina ficou uns segundos parada a olhar para ele, e depois, em silêncio, voltou para o mundo que ela tinha criado, onde todos eram meigos e falavam com a voz delicada dela. Primeiro ficou só a olhar para a cadeira, a tirar as medidas ao que tinha ouvido; fez uma contagem dos bonecos com os dedos pequeninos, e depois foi abandonando aquele sítio para onde a imaginação a tinha levado. A partir daí os bonecos calaram-se, foram recolhendo para a caixa deles, porque agora tinha-se pronunciado um adulto e a menina estava mais preocupada em garantir que nenhum deles tivesse o infortúnio de ir parar ao chão outra vez - o pai já a tinha avisado uma vez, sabe-se lá o que faria à segunda. Quando se é pai como eu fui naquela situação, a ver de fora, é-se sempre melhor pessoa. Tudo tem o seu contexto. Cada um tem uma história que nós, à distância, não conhecemos. Mas ver uma criança a desfazer-se de um gomo de alegria é sempre uma tragédia, como uma personagem pequenina que se atira do cimo de uma cadeira para o chão. O que nós dizemos pode dar cabo de outra pessoa e nós sem nunca sabermos que fomos nós. Fiquei muito triste com uma coisa que parecia tão pequena, mas foi uma tristeza egoísta. Foi ter percebido que volta e meia somos todos aquele pai ou aquela filha. Foi a culpa que incriminou toda a gente que viu.
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.