Num país exaurido e estrangulado, a braços e pernas com uma crise instalada e sem precedentes, de ordenado mínimo e salários africanos, campeão nos níveis de desemprego e de instinto negreiro do patronato restaurado, a possibilidade de ganhar a vida ao dia sem esperar pelo pagamento errático tornou o negócio dos tuks e afins tão apelativo como a corrida ao ouro do Klondike
O admirável mundo novo dos tuk tuks não é invenção lusitana de nenhum professor Pardal, apesar de Lisboa ser a capital europeia mais infestada de enxames de veículos de todos os tamanhos e feitios e ser comparada a Nova Deli. Reza a História, sem pais nossos nem avé Marias, terem sido os italianos da Piaggio, os inventores da Vespa, a criar o veículo capaz de reproduzir o conceito de La Dolce Vita. O pequeno Calessino, ágil, arejado, económico e ideal para uma família, foi uma invenção feliz e como todas as grandes ideias bem geridas resistiu ao tempo. Foi sobretudo um negócio da China e da Índia, e por estes dias de Lisboa. A chegada à Lusitânia do tuk tuk é um acaso de contradições. Conta-se ter sido o empresário Paulo Oliveira, um enigmático homem de posses e coleccionador de toda a espécie de veículos a vir passear-se de riquexó pelas artérias do Chiado num dia veranesco. Diante do afã das gentes em querer embarcar, logo ali despertou o seu instinto de Zé dos Milhões. Do puro gozo infantil do triciclo para a expansão dos dobrões foi um salto que se mantém em expansão e sem fim à vista. Atrás de Paulo Oliveira vieram centenas de gentios bem e mal intencionados como em tudo na vida. Lisboa é hoje tanto de bela e reerguida da decadência como uma cidade sitiada por garimpeiros do Turismo. Uns reclamando a ideia do tuk, outros seguindo-lhe os passos. A maioria imbuídos da tentação do lucro rápido e indetectável, numa espécie de ajuste de contas poético e anarquista contra as investidas do fisco e das políticas feudais. Num país exaurido e estrangulado, a braços e pernas com uma crise instalada e sem precedentes, de ordenado mínimo e salários africanos, campeão nos níveis de desemprego e de instinto negreiro do patronato restaurado, a possibilidade de ganhar a vida ao dia sem esperar pelo pagamento errático tornou o negócio dos tuks e afins tão apelativo como a corrida ao ouro do Klondike. As ruas de Lisboa são hoje um viveiro de aspirantes a magnatas de sortidos caros, garimpeiros solitários atrás de pepitas que lhes desafoguem os martírios, perseguidos por uma polícia instruída para saquear tudo e todos os que andam na rua (a maioria tarefeiros pobres diabos), à falta de meios para confiscar o que muitos imaginam ser fortunas feitas da noite para o dia.
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