São raros os processos que não têm informação reservada – sobretudo dados pessoais. E lá se vai a transparência.
Não há democracia sem transparência – a transparência é um pilar da democracia. E não há transparência sem democracia (as ditaduras são sempre opacas). É por isso que a Constituição portuguesa consagra e protege a liberdade de imprensa e o princípio da "administração aberta". E que temos uma lei de acesso aos documentos administrativos (conhecida como LADA) – e uma entidade com a missão de zelar pelo seu cumprimento (a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, ou CADA). Até aqui tudo bem. Até parece fácil.
O problema é que a esmagadora maioria dos processos em posse da Administração Pública integra informação reservada: ou segredos das pessoas (dados pessoais), ou segredos das empresas (segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa), ou segredos do próprio Estado (segredo de Estado e segredo de justiça). Segredos protegidos pela Constituição e pela lei. São raros os processos que não têm informação reservada – sobretudo dados pessoais. E lá se vai a transparência.
Vem isto a propósito de um recente parecer da CADA: o parecer n.º 126/2022 (disponível em www.cada.pt). O caso é fácil de apresentar. Um jornalista solicitou ao Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) o acesso ao processo de naturalização de determinado indivíduo (que é uma figura pública). O IRN que sim senhor, tudo bem, desde que o jornalista obtivesse autorização escrita do titular dos dados. É óbvio que o jornalista não conseguiu essa autorização (como seria expectável). E apresentou queixa à CADA.
É importante abrir aqui um parêntesis para explicar que está em causa o acesso a um processo de aquisição da nacionalidade portuguesa por (suposto) descendente de judeus sefarditas. E que o processo está repleto de dados pessoais da referida figura pública: dados relacionados com a sua ascendência, certidão do registo de nascimento, certificados de registo criminal, certificado da comunidade judaica que atesta a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, a sua morada, o passaporte, etc.
Um caso bicudo, pois então. E o que veio dizer a CADA?
Primeiro. Há que preservar o que tem de ser preservado, mas não será o caso de fechar completamente as portas do arquivo administrativo:
"Estamos, na circunstância, perante um caso objeto de acompanhamento em todos os meios de difusão de notícias e comentários, e a melhor maneira de evitar o «diz que disse», o «supõe-se que», a melhor maneira de evitar a procura dos factos por portas travessas é ser o mais claro, o mais aberto possível".
Segundo. Importa assegurar que a decisão tomada possa ser objeto de escrutínio:
"Lembre-se que a comunidade nacional, enquanto tal, tem direito de saber. A aquisição da nacionalidade por uma pessoa significa que mais um elemento passa a integrar o povo português, com os direitos e deveres específicos que resultam dessa integração. Não é, pois, indiferente a ninguém que já dela faz parte saber como outro elemento mais se soma à mesma".
Terceiro. Há informação que não deve ser disponibilizada:
"Evidentemente que há elementos totalmente desnecessários para o cumprimento do acima aludido direito de saber – nada interessa conhecer os números de passaporte ou a morada concreta do requerente (o número de porta, a rua, ou mesmo, a cidade)".
Estamos perante parecer que faz uma ponderação cuidadosa dos direitos e interesses em presença – e que desenvolve um entendimento arrojado e impactante. A mensagem que fica é clara: a existência de dados pessoais nos processos e documentos administrativos, situação relativamente comum, não pode servir de argumento para – sem mais – se impedir o escrutínio da atividade administrativa (e a transparência do Estado). Ficou a ganhar a transparência. E ficou a ganhar a democracia.
Sérgio Pratas
Diretor do Observatório do Associativismo Popular e da revista Análise Associativa
Ainda sobre a naturalização dos descendentes de judeus sefarditas
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