Tal como muitos autocratas que enfrentam o descontentamento, Erdogan tentará reerguer das ruínas o seu apoio popular. Não seria surpreendente vê-lo alavancar manobras de política externa, provocar disputas com líderes europeus ou uma maior intervenção do lado do Hamas no conflito contra Israel.
A atmosfera política de cada país é única, tornando complicadas as previsões sobre o seu futuro. Ninguém possui uma bola de cristal para prever o que acontecerá. Resta-nos avaliar a situação após os acontecimentos, utilizando as evidências para retratar um panorama amplo. Esta regra é especialmente relevante quando se examina o rescaldo das eleições locais na Turquia, que tiveram lugar no final de março de 2024.
Após as eleições gerais de maio de 2023, a oposição turca fragmentou-se, criando um clima político sem esperança, onde Erdogan conseguiu manter a sua hegemonia política sem esforço. Os resultados de maio foram inesperados, especialmente, tendo em conta as previsões das sondagens, a recessão económica, e os fracassos do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKParti) de Erdogan, após um terramoto devastador no sudeste da Turquia. Tudo sugeria uma potencial mudança, mas tal não sucedeu.
Ao invés, as eleições locais de março último produziram resultados surpreendentes, apesar do vasto controlo de Erdogan sobre os meios de comunicação social, a burocracia eleitoral, o aparelho militar e o sistema judicial. As empresas de sondagens reputadas, como a Metropoll, atribuíam uma vantagem de 10% ao candidato da oposição do Partido Popular Republicano (PPR) e presidente da Câmara Municipal de Istambul, Ekrem Imamoglu, sobre o candidato do AKParti, Murat Kurum.
Desde a sua criação, em 2001, o AKParti ficou, pela primeira vez, em segundo lugar com apenas 35% dos votos, especulando-se de imediato sobre o que poderia ser visto como o início do fim da era Erdogan. Embora tal possa ser prematuro, dados os 21 anos de consolidação do poder do presidente turco Erdogan. Contudo, um facto permanece saliente: Erdogan terá de exercer mais esforços do que nunca, para restaurar a sua imagem de invencibilidade.
Este imperativo surge, em parte, porque, quando os autocratas sofrem uma derrota eleitoral, muitas vezes enfrentam o risco de serem vistos como um animal feroz ferido, o que pode levar a uma erosão gradual do apoio das elites políticas. Quando os autocratas são confrontados com o risco de serem vistos como feras feridas, geralmente têm duas opções. A primeira será aumentar a repressão para sufocar toda a oposição. A segunda será procurar um meio-termo entre o autoritarismo e a democracia, iniciando reformas políticas. Qualquer um dos cenários poderá resultar na perda de mais poder de Erdogan, marcando o fim da sua era.
Porque Erdogan foi derrotado?
As razões subjacentes à sua derrota eleitoral de Erdogan estão, acima de tudo, relacionadas com os problemas económicos que afetam a Turquia. O aumento da inflação, que atingiu aproximadamente 65% no ano passado, o enfraquecimento da lira turca, o elevado desemprego jovem e o declínio do poder de compra da classe média, impuseram custos políticos inevitáveis.
Apesar da sua relutância em reconhecer a crise económica, estas questões afetaram inegavelmente a popularidade de Erdogan. Mais importante ainda, a decisão de Erdogan de não aumentar as pensões de reforma, face ao aumento dramático dos preços, exacerbou a situação já de si volátil, acrescentando mais descontentamento entre os eleitores, particularmente, entre os pensionistas.
Esta situação realça uma lição crucial: nenhum controlo sobre o sector privado (meios de comunicação social e elites empresariais) e sobre a burocracia estatal, pode garantir a posição de poder de um líder, se não conseguir garantir um bem-estar social e uma vida digna aos seus cidadãos.
Um elemento-chave que contribui para a mudança na atmosfera política foi o surgimento do Novo Partido do Bem-Estar (NWP), que defende políticas conservadoras em questões religiosas, antiamericanismo e posições anti-Israel, portanto um partido do mesmo campo ideológico do AKParti, que se tornou uma alternativa válida aos olhos do eleitorado, desiludido com o governo de Erdogan.
Assim, Erdogan enfrenta não apenas um adversário vigoroso no presidente da câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, em fulgurante ascensão de popularidade na cena política turca, como também o desafio de competir com forças partidárias lutam pelo mesmo bastião eleitoral.
Implicações futuras
Tal como muitos autocratas que enfrentam o descontentamento, Erdogan tentará reerguer das ruínas o seu apoio popular. Não seria surpreendente vê-lo alavancar manobras de política externa, incluindo operações militares no norte da Síria e no Iraque, provocar disputas com líderes europeus, sendo o Presidente francês Macron um alvo preferencial, ou uma maior intervenção do lado do Hamas no conflito contra Israel.
Além disso, Erdogan poderá intensificar a repressão através do sistema judicial, visando figuras políticas proeminentes, como o presidente de Istambul, que o esmagou eleitoralmente, ou detenções em massa da oposição, tal como fez no passado. Estas ações poderiam servir para consolidar a sua base, mobilizando nacionalistas e devotos.
Erdogan poderá também explorar ou mesmo instigar o caos controlado, reminiscente da tentativa de golpe de estado de 2016, capitalizando em questões relacionadas com a população curda e os refugiados sírios, alimentando assim o nacionalismo turco.
Apesar destas hipóteses, o caminho de Erdogan para a manutenção do seu poder está longe de ser óbvio. O resultado das eleições locais representa um ponto de viragem significativo e uma vitória para os grupos da oposição, assinalando um poderoso desafio à longa hegemonia de Erdogan. Estas eleições serviram, sem dúvida, de lição a Erdogan, que provavelmente utilizará "todos os meios" à sua disposição, nas próximas eleições presidenciais, previstas para 2028, para obter a vitória. Portanto, ainda lhe sobra margem temporal para dirigir estes resultados e fazer com que nunca mais se repitam.
No entanto, a eficácia de uma nova estratégia dependerá, em grande medida, da sua capacidade de inverter a atual maré política, que o arrasta para o declínio político. A reposição do Estado de Direito, já não se afigura como uma opção para Erdogan, pois ele seria o primeiro a ser presente a Tribunal. As eleições locais podem significar o início do fim do autoritarismo na Turquia e a liderança de Ekrem Imamoglu poderá ser a responsável pela "des-erdoganização" do regime.
Tal como muitos autocratas que enfrentam o descontentamento, Erdogan tentará reerguer das ruínas o seu apoio popular. Não seria surpreendente vê-lo alavancar manobras de política externa, provocar disputas com líderes europeus ou uma maior intervenção do lado do Hamas no conflito contra Israel.
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