A magia de como cortar o IRC
Em 2022, um artigo científico comparou 441 estimativas de 42 diferentes estudos. A sua conclusão foi de que não podem rejeitar a hipótese de uma descida de IRC não ter impacto no crescimento. Isto quer dizer que, mesmo depois de 441 estimativas, não podemos ter a certeza que exista.
Esta quinta-feira, a Assembleia da República debate a redução de mais um ponto percentual na taxa estatutária de IRC. Se for aprovado em mais uma edição de entendimentos AD-Chega, este tornar-se-á o segundo ano consecutivo que a taxa de IRC baixa. Ao contrário da redução de impostos sobre o trabalho, que sempre mereceu um amplo consenso em Portugal, a redução de impostos sobre as empresas é sempre um tema de debate aceso entre esquerda e direita.
À direita acredita-se que a redução de impostos e subsequente libertação de recursos das empresas vai resultar na aplicação virtuosa dessa poupança fiscal em investimento, empregos ou salários. À esquerda duvida-se dessa premissa e alerta-se para os riscos desse dividendo ser amealhado para fins mais ociosos, desde remunerar o acionista a premiar o gestor. À direita acredita-se que, ficando com uma parte maior dos seus lucros, os empresários estarão mais motivados a crescer os seus negócios. À esquerda duvida-se. Acha-se que os empresários querem sempre crescer os seus negócios e que, na prática, pouca diferença faz ficar com mais umas centésimas do lucro gerado, sobretudo quando ainda há tantos custos de contexto que subtraem um-por-um ao lucro.
Essas diferenças têm vindo a ser esgrimidas no campo da realidade. O Primeiro-Ministro apresenta uma tese: que a descida de IRC em 2015 tendo resultado num aumento da receita, ficaria demonstrado que, para futuro, qualquer descida de IRC resultará num aumento de crescimento económico suficiente para não só compensar a receita perdida como ainda gerar receita adicional. Se isso fosse regra, não se entende porque não se verificou quando se baixou o IRC um ano antes, em 2014. Todavia, qualquer pessoa entende que não se pode comparar assim os anos. Afinal, em 2015, não mudou só a taxa de IRC – Portugal vivia o seu primeiro ano depois da saída da troika, com alguma retoma da atividade económica. Terá sido isso e não o tónico da descida da taxa a fazer crepitar as receitas de IRC?
Não precisamos de recorrer a palpites quando temos ciência. Em 2022, um artigo científico comparou 441 estimativas de 42 diferentes estudos. A sua conclusão foi de que não podem rejeitar a hipótese de uma descida de IRC não ter impacto no crescimento. Isto não quer dizer que não haja impacto. Quer dizer que, mesmo depois de 441 estimativas, não podemos ter a certeza que exista.
Em Portugal, como já aqui escrevi anteriormente, temos o Banco de Portugal a concluir que, por cada 1pp descida do IRC, a atividade económica apenas será estimulada uns meros 0,1pp e mesmo assim só se os ganhos forem reinvestidos todos na capitalização das empresas e nada nas famílias. Já Pedro Brinca, que até foi candidato pela IL, coordenou um estudo para a FFMS que aponta um impacto inferior a 0,2pp por cada ponto de descida do IRC, não se antecipando que a medida se “pague a si própria”.
Quer isto dizer que não se deva baixar os impostos sobre as empresas? Não. Deve-se é assumi-la como uma escolha, que as empresas fiquem com mais do rendimento que geram, sem segundas intenções ou expetativas de que sirva como uma espécie de “varinha mágica” para os nossos problemas económicos. Podemos ainda aproveitar para perceber como é que o desenho dessa política pode maximizar o seu retorno. É essa a intuição de alguma esquerda quando defende que a descida do IRC seja condicional ao investimento no interior ou à valorização dos salários. Esse benefício fiscal vem “compensar” as empresas por terem uma gestão mais alinhada com o interesse público. Ao compensá-las, torna-as mais competitivas e induz mais empresas a adotar esses comportamentos.
Se esta lógica de incentivo funcionar, então não deveríamos aplicá-la de forma mais extensiva, calibrando a carga fiscal de cada um ao seu comportamento? A questão é que, mesmo pondo de lado os argumentos infantis de que isto é uma espécie de paternalismo estatal sobre onde é que as empresas devem gastar o seu dinheiro, a verdade incontestável é que quanto mais complexo ficam os códigos fiscais, menos gente consegue ter tempo e saber (ou dinheiro para contratar quem o tenha) para aceder aos diferentes benefícios a que têm direito.
Portugal é especialmente dado a recorrer a este “estado social escondido” no IRS. Nesse caso, devemos ainda ter em consideração que os benefícios fiscais não estão acessíveis a quem tenha tão poucos rendimentos que paga pouco ou nenhum IRS. Mesmo que sejam estes aqueles que mais precisam desses apoios. Se bem que o sistema fiscal chega a todos (ao contrário, infelizmente, de outros serviços públicos), estamos também, com exceção do IVA, a falar de um apoio que chega só no ano seguinte às despesas terem sido feitas.
É nesta fina acrobacia que se joga uma fiscalidade mais justa, eficiente e promotora do crescimento. É um instrumento que se assemelha mais ao bisturi que ao martelo e que precisa, por isso, de políticas públicas direcionadas aos objetivos que pretendemos prosseguir. Em muitos casos, nomeadamente quando o envolvimento do setor privado é indispensável, é praticamente a única maneira da comunidade atingir esses fins.
É por estes motivos que creio que o caminho apresentado pelo PS, tanto no passado como agora, com um projeto de resolução alternativo ao rumo do Governo, é o melhor caminho para o país. Não o é só em termos políticos, onde poderia ser muito mais fácil defender menos impostos para todos. É-o, sobretudo, em termos sociais e económicos.
No final do dia, a política é a arte do possível e é preciso fazer escolhas. Não dá para pagar tudo e, por isso, não dá para todos pagarem menos e receberem mais. Segundo a UTAO, a redução de IRC que o Governo propõe terá um impacto orçamental adicional de 420 milhões, a somar aos 420 já aprovados o ano passado. Esses números foram estimados para 2025. Serão ainda maiores para 2026. A proposta do Governo prevê mais uma redução da taxa para 18% em 2027 e outra para 17% em 2028. Isso significa que, mesmo que os lucros não tivessem crescido desde 2025, a redução da taxa de IRC proposta pelo Governo custaria, nesse ano, 1573 milhões. É pouco menos do que os orçamentos anuais da Cultura, Ambiente e Justiça juntos.
Desde creches e lares a infraestruturas ou mesmo uma justiça mais célere, não faltam necessidades para onde faz falta esse mesmo dinheiro. Se a nossa opção é de continuar a baixar de impostos, façamos ao menos o que qualquer bom empresário faria: não passemos um cheque em branco. Paguemos, claro, mas apenas contra uma fatura por mais investimento, salários e futuro.
A magia de como cortar o IRC
Em 2022, um artigo científico comparou 441 estimativas de 42 diferentes estudos. A sua conclusão foi de que não podem rejeitar a hipótese de uma descida de IRC não ter impacto no crescimento. Isto quer dizer que, mesmo depois de 441 estimativas, não podemos ter a certeza que exista.
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