Onde está o meu bónus?
A venda do Novo Banco culmina num prémio milionário à rapina que empobrece Portugal.
O vício não é só nosso, é global: em 2008, quando lhes caiu em cima a crise financeira que eles próprios provocaram, os CEO dos grandes bancos americanos voaram de jato privado para Washington, onde foram pedinchar uns largos milhares de milhões de dólares em resgates públicos. Logo a seguir, pagaram a si próprios milhões em bónus e prémios, e distribuíram outros milhões a lobistas profissionais, para garantir que nada mudava na regulação e supervisão financeiras. Estava comprada a razia impune do poder do dinheiro sobre a autoridade democrática do Estado. Hoje, é esse poder que governa os EUA.
Agora calhou-nos a nós. Mais do que os créditos ruinosos da CGD às redes clientelares do regime, mais do que a cascata de ativos tóxicos da banca comercial, mais até do que o império de corrupção paroquial do BES de Ricardo Salgado, o melhor exemplo desta captura do poder democrático pelo poder financeiro em Portugal é a saga da venda – e agora revenda – do Novo Banco. Criado com os bons ativos do velho BES, o Novo Banco deixou para trás a carcaça do banco familiar dos Espírito Santo, um buraco negro ainda hoje “em resolução”, com um passivo de perto de 11 mil milhões de euros.
Mas o próprio “banco bom” foi ruinoso. Numa fase inicial, quando ainda era 100% público, o Novo Banco foi capitalizado pelo Estado, através do Fundo de Resolução, em 4,9 mil milhões de euros. Em 2017, o Estado vende 75% do banco a um fundo abutre do Texas, o Lone Star. Os cobóis americanos pagaram a pronto 750 milhões de euros, que entraram como capital, e somaram mais tarde outros 250 milhões. Mil milhões, no total, que ficaram todos no banco comprado. Mas, além deste desbarato, o Fundo de Resolução comprometeu-se ainda a criar um mecanismo de “capital contingente” que autorizava o Novo Banco a servir-se de mais 3,8 mil milhões de dinheiro público, para cobrir eventuais prejuízos dos “ativos bons”. Acabou por vir buscar 3,5 mil milhões. Tudo somado, foram mais de 8 mil milhões que os contribuintes enterraram na parte boa do BES.
Agora, os abutres já encheram a barriga. Depenado o tesouro público, o Novo Banco vai ser vendido aos franceses do BPCE por 6,4 mil milhões de euros. Ao Estado cabem cerca de 1,6 mil milhões pelos 25% que ainda detém do banco. Mas quem mais enche a barriga é a Lone Star, que multiplica quase por cinco o investimento inicial. À nossa custa. Esta semana ficámos a saber quanto o negócio vai render em prémios e bónus para os gestores do assalto: 1,1 mil milhões, a distribuir pelos gestores da Lone Star e os administradores do Novo Banco. Só António Ramalho, o ex-CEO que agora está na Lusoponte, deverá embolsar entre sete e dez milhões de euros.
O capítulo final da tragédia do Novo Banco é o prémio aos cobóis que o tomaram de assalto, com o beneplácito manso do Estado português. Uma história exemplar, no país em que o cartel da banca saiu impune de uma multa de 225 milhões de euros aplicada pela Autoridade da Concorrência, por combinarem entre si as condições comerciais na concessão de crédito e, com isso, roubarem os seus clientes. Uma litigância abusiva, dilatória e de má-fé, alcançou o triunfo da prescrição. Também aqui, o roubo organizado vence o Estado de Direito, de braços caídos perante o verdadeiro poder da captura. Para cúmulo e conforto dos salteadores, também esta semana o Parlamento, com o voto protetor do PSD, Chega e CDS, impediu que os banqueiros fossem chamados a audições parlamentares para explicarem as táticas dilatórias que lhes permitiram escapar à punição devida pelos abusos provados e documentados.
Acaba tudo em bem, menos para o contribuinte. No Novo Banco, não temos direito a bónus pelos 8 mil milhões que enterrámos no “banco bom”. É melhor nem pensar nos 11 mil milhões que continuam soterrados no “banco mau”. E esta chuva multimilionária de subsídios e garantias públicas não nos compra sequer a segurança de não sermos aldrabados nas condições de crédito contratadas com os bancos do sistema. Estes negócios predadores, esta impunidade triunfal, são o canto do cisne de qualquer economia produtiva, equitativa e democrática. Viva a República dos vencedores.
Onde está o meu bónus?
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