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Francisco Paupério Investigador
26.03.2025

É tempo de taxar os ultra-ricos

A ideia, que não é de hoje, é uma taxa sobre multimilionários. Não é uma taxa para os ricos, é uma taxa para os incrivelmente ricos. Para ter uma ideia, não é para os que têm casas de férias e mais de 2 automóveis. É mesmo para aqueles que conseguem ter ilhas privadas.

Há várias ideias que vão mudando o mundo e algumas nem precisam de ser muito complexas. A redução do horário de trabalho, a igualdade de direitos humanos, a igualdade perante a lei. Nunca foram inequívocas inicialmente, mas foram fazendo o seu caminho até serem indiscutíveis (se bem que algumas começam a ser discutidas). O truque da implementação destas ideias costuma ser o timing da proposta. Se durante uma crise económica quisermos uma jornada de trabalho mais curta, será mais difícil apresentar os argumentos a seu favor. No entanto, há mesmo ideias imunes ao seu timing por serem mais abrangentes e sistémicas. Em tempos de desigualdades a aumentarem de dia para dia, tornam-se inevitáveis.

A ideia, que não é de hoje, é uma taxa sobre multimilionários. Não é uma taxa para os ricos, é uma taxa para os incrivelmente ricos. Para ter uma ideia, não é para os que têm casas de férias e mais de 2 automóveis. É mesmo para aqueles que conseguem ter ilhas privadas. A concentração de riqueza atinge um nível insustentável, e sem uma intervenção directa é bem possível levar ao colapso social e económico das sociedades ocidentais. Esta proposta não nasceu hoje, foi sugerida recentemente pelo economista Gabriel Zucman e apoiado por figuras americanas como Warren Buffet e até certos segmentos ultra-ricos.

Defendem mesmo que não é por questão ideológica, mas de sistema. Esta ideia passou recentemente para a ribalta por causa dos vídeos de Gary Stevenson. Um milionário que conseguiu a sua fortuna no mercado financeiro, e decidiu dedicar a sua vida a denunciar as desigualdades deste sistema e mercado. Gary reparou que o problema não é só dos ricos acumularem a riqueza, mas que criam um sistema que os protege de qualquer redistribuição significativa.

Também não é novidade que a altura em que os Estados Unidos da América desfrutavam de uma sociedade menos desigual foi precisamente durante a implementação de taxas sobre os ultras ricos que chegavam aos 91% sobre rendimentos mais elevados
pelos anos 40 a 70. Recentemente a Suécia também aumentou a progressividade e até uma taxa sobre heranças. Isto permite reduzir as cargas fiscais sobre o trabalho da verdadeira classe média e média alta que alimentam a economia. Para além disso, nos tempos atuais de guerra, o enorme esforço económico e investimento sobre mecanismos de defesa vão levar certamente a cortes sociais. É uma escolha consciente quando temos instrumentos financeiros mas que não usamos e preferimos enviar mais pessoas para a pobreza. Tudo isto para seguir teorias económicas desatualizadas, onde a riqueza intocada dos bilionários vai "escorrer" para o resto da sociedade. Nos últimos anos vimos a maior transferência de sempre dos mais pobres para os mais ricos, criando um efeito anti-gravidade de trickle-down economics. A concentração de (muito, mesmo muito)
dinheiro, assim como de poder, na sociedade actual é imoral face aos desafios sociaisrelacionados com a habitação, saúde, educação e ambiental que vivemos.

A história mostra sempre que mudanças sistémicas por mais controversas que sejam acabam por se tornar inevitáveis. Especialmente, quando o peso das desigualdades ameaça o equilíbrio social. A taxa sobre os ultra-ricos não é uma questão ideológica, mas de preservação da própria economia e da coesão social, um bastião da União Europeia. A erosão da mobilidade social, a esperança colectiva, a justiça social e o próprio contrato social entre cidadãos e governo fica insustentável sem novos recursos. Ignorar esta reforma é perpetuar o sistema onde os privilegiados se reforçam e os desafios da maioria são desprezados. Como sempre, é preciso a coragem de desafiar o aparente impossível e responsabilizar aqueles que escolheram ignorá-lo.

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