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Francisco Paupério Investigador
07.10.2024

Bem-vindos ao espetáculo

Conta mais a percepção sobre a realidade do que a própria realidade, e os nossos líderes estão cada vez melhores a vender a sua percepção, contribuindo para o desinteresse dos eleitores.

São poucos os exemplos que temos onde a política é feita por pessoas com sentido de missão. O que vemos atualmente é governantes e oposição mais preocupados com a sua própria reeleição. Sentem-se mais capazes de reproduzir boas campanhas eleitorais em vez de apresentar uma visão de futuro com propostas substanciais. Substituem as bússolas morais por máquinas de calcular votos. A visão de futuro? Reduzida a ciclos de 4 ou menos anos. Valores? Desapareceram, engolidos por soundbites vazios e repetidos até à exaustão. O que assistimos são declarações, discursos e espetáculos performativos ensaiados para agradar certos grupos, evitar polémicas e garantir a sobrevivência nas próximas sondagens.


Governar passou a ser comunicar. Podemos ver Carlos Moedas apresentar como seu aquilo que outros pensaram e desenvolveram, enquanto a cidade de Lisboa definha; sucessivos governos que votam contra as propostas na Oposição, mas apresentam-nas mal tenham os pés em São Bento. Conta mais a percepção sobre a realidade do que a própria realidade, e os nossos líderes estão cada vez melhores a vender a sua percepção, contribuindo para o desinteresse dos eleitores. E enquanto isso acontece, as desigualdades sociais e precariedade laboral aumentam; as pessoas trabalham mas continuam sem condições para pagar uma renda; a crise climática acentua-se; os jovens emigram e vidas se perdem. Todos estes problemas não estão a ser resolvidos porque não é essa a verdadeira intenção nem dedicação. Enquanto as grandes ambições pessoais e vaidade política se colocam à frente dos objetivos coletivos, não teremos a capacidade de ter o impacto que desejamos (ou merecemos). Perdemos a capacidade da política ser o espaço do debate de ideias, de confronto de projetos para a sociedade. O respeito foi substituído pelo insulto, as propostas por slogans genéricos e simplistas. Estes líderes não nos devem representar nem inspirar.


Como dar a volta a isto? Criando espaços de diálogo, de debate e troca de ideias, reformular a cobertura mediática sobre a política, aumentar o escrutínio público sobre a classe política, fomentar a educação política nas escolas, incentivar a renovação política. Falta, também, coragem. Coragem para ambicionar um país diferente, como se construir o país do amanhã não fosse apenas um detalhe, mas o principal desafio de quem ocupa cargos públicos. Coragem para assumir uma posição de construção e diálogo. Coragem para efectivamente estabelecer uma relação de proximidade, de honestidade e respeito com os cidadãos. Só assim podemos passar de políticos com ambição de ser, para políticos com ambição de fazer.


E esperamos sempre, de forma ingénua, que alguém ao nosso lado avance e se levante. Mas a única certeza é que se não formos nós a dar esse passo, pode não chegar a acontecer. O que me fez aproximar da política é a possibilidade de mudar a vida das pessoas para melhor, de ter impacto. De trabalhar para apresentar um futuro alternativo ao nosso país e União Europeia, que devolva a confiança das pessoas nas nossas instituições, mas acima de tudo que seja um exemplo de que é possível fazer diferente. E acreditem que é. Ao longo do meu (curto) percurso dentro e fora da política, conheci muitas pessoas inspiradoras, com conhecimento e valores para desenvolver o nosso país. Pessoas com toda a coragem e motivação. Mas são também estas que se vão afastando deste show político, que vão perdendo a esperança. E nunca precisámos tanto delas.


Enquanto vemos este espetáculo político, enquanto fixamos o olhar no palco, atento a todas as movimentações de bastidores, perdemos a realidade a passar ao nosso lado - o país real - ficando tudo mais esquecido debaixo do tapete. Muita comunicação, pouca ação, muitos holofotes, mas pouca luz e clarividência.

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