Por uma União Europeia federal
Em suma, para mim, a construção da União Europeia Federal tem de assentar na adesão activa dos cidadãos comuns/normais dos países que integram a actual União Europeia.
Há já alguns dias, o Primeiro-Ministro italiano Mario Draghi proferiu no Parlamento Europeu um discurso incentivando o desenvolvimento de todos os esforços conducentes à construção de um "federalismo pragmático". E recentes discursos do Presidente Macron e do Chanceler Scholz apontam no mesmo sentido. Ou seja, a federalização da União Europeia já iniciou o seu caminho, restando, portanto, apenas saber que tipo de Federação irá ser construída. Porque sempre fui internacionalista e cosmopolita, tornei-me, há muito, federalista.
Por contraposição à EFTA, as Comunidades Europeias e depois a União Europeia nasceram e consolidaram-se porque eram mais do que um Mercado Comum; tratava-se de pôr em comum os bens e serviços das Comunidades nacionais de vários Estados em prol da prossecução de objectivos de cooperação definidos em conjunto. Visava-se fortalecer os mecanismos de cooperação estabelecidos entre esses povos, em vez da promoção da concorrência. Pretendia-se (e pretende-se) o estabelecimento e o reforço das ligações até emocionais entre os cidadãos europeus e o mútuo conhecimento e reconhecimento uns pelos outros - a criação de um espírito de pertença a uma única Comunidade, a criação de uma identidade europeia. Por outro lado, a capacidade de investimento dessa Comunidade única, com as potencialidades de criação de riqueza que dessa capacidade decorrem, sempre superariam as possibilidades de um qualquer dos Estados Membros, por mais ricos que cada um dos mesmos já o fosse anteriormente. Com o passar dos anos, a emergência de encontrar soluções para os problemas da crise ambiental, a necessidade contínua de inovação no campo tecnológico, nomeadamente com o surgimento da inteligência artificial (que chegou para ficar), com todos os imensos desafios que a mesma, para o bem e para o mal, nos coloca, bem como a exigência do estabelecimento de regulação e supervisão dos mercados, essa necessidade de reforçar os mecanismos de cooperação entre esses Estados nacionais tornou-se ainda maior.
E, entre outros exemplos, porventura não tão nítidos, os benefícios dessa cooperação foram evidentes no que respeita à questão da produção e distribuição das vacinas para tratar a pandemia de Covid 19. E a guerra decorrente da invasão da Ucrânia, acto criminoso, perpetrado por uma clique totalitária chefiada por Vladimir Putin que também oprime e brutaliza os povos que habitam a Federação Russa, torna essa cooperação ainda mais vital e imprescindível. Contudo, a federalização da União Europeia não constitui uma inevitabilidade e as pulsões egoístas/nacionalistas existem e são cada vez mais fortes.
Penso, porém, que, caso essas pulsões egoístas/nacionalistas venham a prevalecer, a alternativa que a todos se nos coloca será o total desaparecimento do Estado de Direito e dos valores éticos e sociais/civilizacionais corporizados no ideal europeu de Democracia, e a transformação de todos os países europeus, sem excepção, em meras parcelas insignificantes de, para usar a terminologia de George Orwell no seu famoso livro "1984", uma Eurásia correspondente à área territorial da Eurásia e Lestásia identificadas nesse livro, com sede nem sequer em Moscovo, mas sim em Pequim.
Com engenho, arte e alguma sorte, os portugueses dos Descobrimentos conseguiram desmantelar a antiga "Rota da Seda". Todavia, nos dias que correm, continuando a União Europeia a ser, como é agora, um "anão político", e prolongando-se por mais tempo a exsanguinação da Federação Russa (de que são responsáveis, insisto, os déspotas totalitários que a subjugam), nem a Alemanha, nem a França, nem a Polónia (e, naturalmente, também não o desunido Reino Unido - que, curiosamente, de acordo com Orwell, integrava a Oceania) conseguirão travar a conclusão da construção da nova "Rota da Seda" cujo primeiros trilhos foram já implantados no terreno. Portanto, Federação Europeia, sim, mas de que tipo? À partida, importa referir que não está em causa, em minha opinião, a construção de uns Estados Unidos da Europa à imagem e semelhança dos EUA, projecto, aliás, já tentado e falhado.
Deixando para outro momento a exposição das ideias que tenho acerca das especificidades desse projecto europeu (e as diferenças terão mesmo de ser muitas), gostaria de centrar-me no factor que considero essencial para o falhanço dessa anterior tentativa de construção de uns Estados Unidos da Europa. Como é sabido, as edificações são construídas de baixo para cima, sendo tão fortes e duráveis quanto mais sólidas forem as suas fundações. Um dos principais erros daqueles que queriam criar os Estados Unidos da Europa foi o de querer construir esse "edifício" institucional a partir "de cima", sem a participação dos cidadãos/massas populares, e desconfiando deles/delas. A Biblioteca de Alexandria foi destruída porque "os bárbaros" não percebiam qual era a sua utilidade. E a tão incensada "Conferência sobre o Futuro da Europa" continua a trilhar esses caminhos de afastamento/desprezo e de desconfiança relativamente aos cidadãos/massas populares.
Acontece que, todos nós somos guiados, ao mesmo tempo, pelos nossos sonhos e aspirações e pelos nossos medos e ódios. E os medos e os ódios são as pulsões mais fortes, porque mais naturais. De facto, nós nascemos egoístas e tribais (ou até só membros de um clã) e só afrouxamos esses sentimentos quando percebemos que abdicar do nosso egoísmo e participar em plataformas sociais colaborativas nos traz vantagens pessoais (que não terão de ser exclusivamente materiais). E quando essas vantagens desaparecem (ou são percepcionadas como tendo desaparecido) cessa a vontade de participar nessas plataformas. Em Direito existe um conceito chamado a natureza das coisas (a realidade tal qual ela é e não como desejaríamos que fosse). Quando ignoramos ou negligenciamos a natureza das coisas, a realidade tal qual ela é impõe-se inexoravelmente.
Em suma, para mim, a construção da União Europeia Federal tem de assentar na adesão activa dos cidadãos comuns/normais dos países que integram a actual União Europeia. E estou confiante que tal não constitui uma "Missão Impossível", sendo que essas ditas missões impossíveis, na famosa série televisiva do tempo da Guerra Fria e nos vários filmes entretanto produzidos, acabam sempre por ser completadas com pleno sucesso. Sérgio Godinho, podendo ter exagerado em algumas coisas, não se enganou quando na sua canção "Liberdade" proclamou que esta só existirá a sério quando a todos for proporcionado o acesso à paz, ao pão, à habitação, à saúde e à educação. Tenho para mim como indubitavelmente certo e seguro, que o Mercado (os mercados) não gera(m) a Democracia e o Estado de Direito e que só o Estado Social de Direito permite a sustentação da Democracia. Desde 1910 que sabemos (Nathan Roscoe Pound - "Law in Books and Law in Action") que existem diferenças, que podem ser muito profundas, entre a Lei que constitui a legislação oficial escrita (Law in Books) e aquela que existe na prática quotidiana do dia-dia (Law in Action). Na verdade, cada um de nós só tem realmente os direitos para os quais dispõe das condições materiais que permitem o seu exercício. O resto é direito proclamatório.
As Comunidades Europeias e depois a UE puderam prosperar porque foi implementado um Estado Social de Direito - do qual resultaram benefícios para os cidadãos que, por essa razão, aceitaram participar nessas plataformas sociais colaborativas. E, nos tempos que correm, suportar os custos do Estado Social de Direito sem fazer crescer as já elevadas dividas soberanas (que, em termos de médio e longo prazo, não poderão ser mantidas, muito menos continuar a crescer), não estará ao alcance da grande maioria dos Estados Membros da União, mas está seguramente ao alcance de uma Federação Europeia. Se uma mais igualitária distribuição da riqueza não for retomada, a União Europeia não subsistirá.
Por tudo isto, pese embora o enorme respeito que tenho por Mario Draghi, discordo frontalmente (e tenho medo) de um alargamento rápido da EU, à Ucrânia, à Albânia, Macedónia do Norte, Kosovo e Bósnia-Herzegóvina. Para citar só os mais visíveis, olhem os exemplos da Hungria, da Polónia. Em minha opinião, o alargamento só deverá ocorrer quando o ideário que referi estiver consolidado no seio da Federação Europeia e esses Estados que querem aderir à UE e os povos desses países tiverem adquirido colectivamente essa vontade de partilhar esses Valores e Princípios. Com um alargamento apressado, como foram já os que permitiram a entrada na União Europeia dos países do chamado "Grupo de Visegrado", que não consagre a sustentabilidade do ideário do Estado Social de Direito, não tenho dúvidas de que ocorrerá a total deterioração desses valores democráticos nos países europeus onde eles, apesar de violentamente ameaçados, ainda subsistem e, no futuro, teremos a prevalência da Eurásia a que antes aludi (e que, de facto, na dimensão geográfica existe mesmo). A concluir, tenho muito medo do reforço dos exércitos nacionais.
Ao invés, defendo um Exército Unificado da Federação Europeia, sob o domínio das instituições políticas dessa Federação, em cooperação (e não subordinação) com os demais membros da NATO, no sentido de assegurar a paz e a estabilidade das instituições internacionais, cuja eficácia e prestígio foram postos em causa pela invasão da Ucrânia (e vamos ver se a ONU poderá subsistir). Mas sejam quais forem os meus sonhos e anseios e os meus medos e ódios, este é um debate urgente e vital. Muito simplesmente, está em causa o nosso futuro imediato e o futuro dos nossos filhos e netos.
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