Sábado – Pense por si

Carlos Neto
Carlos Neto Professor Catedrático (Aposentado e Jubilado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa - FMH-UL)
12 de abril de 2024 às 07:00

O Brincar livre não se ensina, mas a brincar a criança aprende

A infância tem vindo a ser restringida nas gerações mais recentes, com menos tempo para brincar ao pé de casa, na rua, na cidade, no bairro, sem supervisão e ao mesmo tempo, um aumento muito significativo de tempo passado online através de novos dispositivos digitais.

O brincar ao longo da vida e principalmente nas primeiras idades é uma forma de descoberta (jogo exploratório) em que se procura conquistar liberdade, autonomia, busca de prazer, divertimento, interação, imaginação, fantasia e desenvolvimento de competências gerais. Brincar para a criança é um comportamento livremente escolhido e dirigido por si, intrinsecamente motivado, estruturado por regras criadas pessoalmente, sempre altamente criativo e geralmente imaginativo, e conduzido num estado de espírito ativo, alerta, mas relativamente não stressado (Gray, 2022). Brincar livre, enquadra-se segundo uma pressão seletiva ancestral, solicitando uma função adaptativa, para desfrutar o instante e treinar para o inesperado (incerto) em situações motoras, cognitivas, emocionais e sociais. O brincar livre e sem constrangimentos dos adultos é uma verdadeira escola de aprendizagem de conceitos linguísticos, lógico-matemáticos, de habilidades motoras finas e grosseiras, expressões corporais e formas de cooperação entre pares. As crianças enquanto brincam não diferenciam o brincar de aprender. Elas aprendem porque se entusiasmam (energia biológica inata) e divertem-se através do prazer (controlo e libertação do corpo que (des) conhecem), através de um processo de autodeterminação e autoaprendizagem na solicitação de mecanismos internos que exige a regulação e controlo emocional. Muitas brincadeiras e jogos na infância, podem assumir várias caraterísticas em função do seu objetivo, contexto de ação e solicitação de operações sensoriais, motoras, percetivas, cognitivas e sociais. Brincar de forma livre é testar o impossível, os limites do corpo em ação e assegurar a fuga à realidade (suspensão da mente em narrativas simbólicas ilimitadas), para dar significado e ser capaz de interpretar a realidade do seu "eu", dos outros, dos objetos e do mundo que as rodeiam. Os adultos têm naturalmente uma grande dificuldade em distinguir o brincar livre, semiestruturado e estruturado. Em casa ou na escola, a interferência adulta em tentar intervir na livre iniciativa das crianças quando brincam, em diversas dimensões do jogo infantil (por insegurança, medo ou necessidade de controlo), invertem os fundamentos biológicos e culturais do brincar livre. Nestas circunstâncias, o brincar deixa de ser considerado livre para a criança. Importa que pais e educadores preparem contextos lúdicos de grande sedução e entusiasmo, mas depois devem soltar e dar liberdade das crianças poderem brincar sem constrangimentos, através de uma supervisão distante desinteressada, observando os seus comportamentos e participando se, entretanto, forem convidadas para cooperarem nas atividades. Os adultos não deveriam substituir-se às crianças no processo de brincar de forma livre, como habitualmente se observa em muitos contextos em casa, num espaço de jogo ao ar livre (parque infantil) ou mesmo no espaço exterior da escola (recreio). Também se tem verificado, que o brincar estruturado apresenta muitas vantagens de aprendizagem pedagógica e terapêutica, quando existem objetivos relacionados com aquisições escolares. O que diferencia o brincar livre e estruturado é o modo como se atribui às crianças nível de iniciativa, liberdade de ação e risco ou por outro lado se tenta conduzir a atividade lúdica com intencionalidade pedagógica. Em qualquer dos casos, o brincar não se ensina, mas através do brincar as crianças aprendem. Uma revisão sistemática sobre os estudos de investigação realizados até ao momento, demonstram que podemos categorizar o brincar e o jogo (existência de regras), em quatro dimensões independentes e complementares:

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