Secções
Entrar
Ana Gabriela Cabilhas Nutricionista e deputada do PSD
19.05.2024

Nós e eles 

O populismo, os extremismos e a polarização estão a criar uma panela de pressão na política, que pode explodir a qualquer momento.

Vivemos num mundo significativamente polarizado. O Fórum Económico Mundial, no Relatório de Riscos Globais 2024, considerou a polarização da sociedade e o risco de erosão da coesão social no pódio das ameaças globais a curto prazo. Olhando as ameaças a 10 anos, a polarização social aparece no top 10, sem sinais de desaparecimento. 

O populismo, os extremismos e a polarização estão a criar uma panela de pressão na política, que pode explodir a qualquer momento. Um alerta para esta situação foi o ataque vil contra o Primeiro-Ministro eslovaco Robert Fico. Não podemos desconsiderar o contexto em que decorre este atentado, com as posições polémicas de Fico sobre a Rússia, assim como o passado recente da Eslováquia, com o assassinato do jornalista Ján Kuciak, que investigava corrupção ao mais alto nível. 

Este episódio não ocorre de forma isolada e surge no seguimento de uma série de agressões físicas violentas a políticos por toda a Europa, como na Alemanha. Estas ameaças à vida humana e à estabilidade dos países são antecedidas de violência verbal e do aumento de níveis de confronto entre posições opostas, com arrogância, sem filtros e sem pudor, exacerbando tensões e erguendo-se barreiras ao diálogo. Fica aberto o caminho para qualquer ato de violência. 

A violência contribui para um círculo vicioso de polarização. A agressividade no discurso conduz a atos de violência, que por sua vez reforçam a perceção de que o outro lado é uma ameaça. Os extremistas não vêm os outros políticos como oponentes, mas como inimigos a serem destruídos e derrubados. Isto aumenta o clima de medo, mina a confiança nas instituições democráticas e torna impraticável um ambiente de compromissos conjuntos e de cooperação. As vozes dos moderados são abafadas pela gritaria dos extremos. Tal conduz a uma incapacidade de se realizarem reformas estruturais, sem pontos de encontro num chão comum, e com os populistas centrando-se em ganhos políticos no imediato. A política transforma-se num campo de batalha para a aniquilação do outro, ao invés de cumprir a missão de servir as pessoas, resolvendo os seus problemas com ação e concretização de soluções. Compromete-se, assim, a estabilidade política e a paz social e corrói-se a nossa democracia. 

As redes sociais vieram ajudar a radicalizar a sociedade e a dividi-la em dois grupos: as pessoas que pensam igual a "mim" e os outros. Os radicais promovem o fechamento e o pensamento em bolha, unindo pessoas para a vida toda, numa sensação de segurança e pertença, nas mesmas crenças, nos mesmos pensamentos e nos mesmos discursos. Passam a rejeitar o que é diferente e não ficam dispostas a mudar de ideias. Deixa de ser importante o que é dito, mas quem diz, porque se foi alguém do "meu" grupo que disse, defendo sem questionar, porém, se for do lado oposto, rebato sem pensar. Torna-se difícil aceitar os factos, confundindo-se a verdade com a mentira, e facilita-se a reprodução de preconceitos e da discriminação, do ódio e da intolerância, dos insultos e da retórica inflamável. 

O clima de divisão consegue, ainda, reduzir a sociedade noutros dois grupos: os políticos e o povo, em que os políticos são uma classe homogénea carregada de defeitos - "são todos iguais". O modelo apresentado pelos populistas é simples: há um inimigo a derrotar, o povo que tem de ser salvo e um líder (debaixo de um manto autoritário) capaz de o fazer. O que os populistas radicais ignoram é que os políticos são também eles o povo. Não há nós e eles, porque os nossos corações aceleram tanto quando conquistamos em conjunto e apertam tanto quando falhamos coletivamente.  

A polarização marca uma direção, mas não tem de ser o destino. A dinâmica de uns contra os outros não pode dominar. Embora a responsabilidade em mitigar a crescente polarização seja associada aos políticos e aos partidos, eu acredito também que cada cidadão tem um papel a desempenhar na abertura à diferença e na promoção do diálogo, da tolerância e do respeito mútuo, essenciais numa democracia saudável. Estas são as únicas saídas para este desafio, que tem tanto de esforço individual como de empenho comum.

Mais crónicas do autor
31 de março de 2025 às 07:00

O triunfo da hipnocracia

Acredito que a hipnocracia, ao criar imaginários coletivos, pode beneficiar ou boicotar uma governação e influenciar eleições, sempre com consequências destrutivas para as instituições democráticas. 

03 de fevereiro de 2025 às 07:00

Ainda não vimos tudo

A imigração é uma das áreas que mais preocupação e polarização ocupa no debate público e político, sendo instrumentalizada pelos extremos à direita e à esquerda, por quem quer culpar os imigrantes por tudo e por quem quer ignorar que os imigrantes têm direitos e deveres.

20 de janeiro de 2025 às 11:05

Ao serviço da esperança

Os centros públicos de Procriação Medicamente Assistida são 10, um número inferior aos 18 centros privados, e a resposta pública é inexistente no Alentejo e no Algarve.

06 de janeiro de 2025 às 08:00

Analfabetismo deste século

O relatório "O consumidor de comunicações eletrónicas" da ANACOM mostra que 20% dos portugueses entre os 55 e os 64 anos nunca acedeu à internet e que o valor ascende aos 42% entre os 65 e os 74 anos, enquanto a média europeia é de 8% e 22%, respetivamente.

29 de dezembro de 2024 às 17:24

(Mais um) Feliz Ano Novo

Uma das marcas do ano que agora termina é a juventude no centro do debate público e político e, mais importante, no centro da ação governativa

Mostrar mais crónicas
Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!