Secções
Entrar

Centenas de pessoas vivem no aeroporto de Madrid em situação "delicada e grave"

Lusa 24 de maio de 2025 às 11:34

Segundo estudos do sindicato ASAE e de uma ONG ligada à Caritas, dormem diariamente no aeroporto de Madrid entre 400 e 500 pessoas.

Centenas de pessoas, parte delas com trabalho, dormem diariamente no aeroporto de Madrid, numa situação "delicada e grave" para a qual têm chamado a atenção sindicatos, organizações não-governamentais (ONG) e a Provedoria de Justiça de Espanha.

Manu Fernandez/ AP

Às sucessivas chamadas de atenção, juntaram-se publicações nas redes sociais, que denunciaram corredores dos terminais do maior aeroporto de Espanha com centenas de pessoas a dormir ou, mais recentemente, a serem desalojadas para locais com menor passagem de viajantes.

Ao mesmo tempo que se tornaram protagonistas de notícias e redes sociais, as centenas de pessoas que dormem no aeroporto de Madrid tornaram-se também, nas últimas semanas, protagonistas de uma troca de culpas entre diversas administrações - a da empresa pública que gere o espaço (AENA), os governos nacional e regional e a administração local.

Segundo estudos do sindicato ASAE - Alternativa Sindical AENA/ENAIRE (que representa trabalhadores da AENA) e de uma ONG ligada à Caritas, dormem diariamente no aeroporto de Madrid entre 400 e 500 pessoas.

O estudo da ONG, divulgado pelo jornal EL Pais na semana passada, revelou que 38% dessas pessoas sai de manhã para trabalhar e regressa à noite ao aeroporto, onde dorme, por impossibilidade de aceder a uma casa ou quarto.

A maioria são homens (78%) e 74% são estrangeiros, mas só 21% destes chegou há pouco tempo a Espanha, com 45% a viver no país há pelo menos cinco anos, sempre segundo o mesmo estudo da ONG.

Segundo o sindicato ASAE, sempre houve pessoas a dormir no aeroporto de Madrid - como acontece em infraestruturas semelhantes no resto de Espanha e de outros países -, mas nunca o número tinha tido esta dimensão e, há uma década, por exemplo, não eram mais de 40, em média, por noite.

O sindicato, como a ONG, realçou que, ao contrário do que acontecia no passado, há entre as centenas de pessoas que atualmente usam o aeroporto para dormir perfis muito diversos. Aos que trabalham, somam-se os que vivem no aeroporto, os que estão em situação de sem-abrigo crónica e sem rendimentos, pessoas com problemas de saúde mental ou com problemas de alcoolismo e outras dependências.

Há algumas semanas, a AENA desalojou a maioria das pessoas que dormiam distribuídas por vários terminais e juntou-as num só espaço, essencialmente de escritórios e outros serviços, que cruzam poucos ou nenhuns passageiros de voos.

O confinamento a um espaço único e a mistura de pessoas tão diversas disparam conflitos e originaram problemas de segurança, denunciou um porta-voz do sindicato da AENA, Antonio Llarena, que apelou à "retirada, por favor, destas pessoas do aeroporto e a que sejam levadas para um local digno", assim como à intervenção do provedor de Justiça.

O provedor Ángel Gabilondo tem apelado desde março a diversas entidades e administrações. Esta semana visitou ele próprio o aeroporto, à noite, e voltou a enviar pedidos de informação à Câmara Municipal de Madrid e à administração da AENA.

O presidente da AENA, Maurici Lucena, reconheceu que a situação destas pessoas é "delicada e grave" e tem atribuído responsabilidades à Câmara de Madrid, considerando que tem a tutela da intervenção social na cidade e lhe compete dar uma resposta ao problema.

O presidente da câmara, José Luiz Martínez-Almeida, tem repetido que não tem competências para retirar de forma forçada as pessoas do aeroporto, que está em causa uma infraestrutura do Estado e que falta um censo que determine em que casos a resposta cabe ao município e ao Governo central, como serão, por exemplo, situações de pedido de asilo.

O autarca tem realçado que, porém, as equipas de rua e intervenção social para situações de sem-abrigo também trabalham no aeroporto, há décadas, e têm neste momento contacto com 104 pessoas, sendo que no último mês 14 aceitaram ajuda oferecida pelo município.

Martínez-Almeida tem sublinhado que a intervenção social depende da vontade da pessoa, que não pode ser obrigada a aceitar uma ajuda.

O Governo espanhol tem dito que a resposta cabe à câmara e várias vozes têm atribuído culpas à má gestão de Almeida na área social, acusando-o de "empurrar" pessoas em situação vulnerável para o aeroporto por não mobilizar meios suficientes.

Numa espiral de troca de acusações, a autarquia já sugeriu que tem espaços de acolhimento ocupados por causa do colapso dos serviços estatais de imigração e asilo, que não dão resposta às solicitações no tempo devido.

Após semanas de trocas públicas de acusações, o presidente da AENA e o presidente da câmara de Madrid reuniram-se na quinta-feira e chegaram a um primeiro acordo - pedir um censo das pessoas que estão no aeroporto a uma ONG.

No final do encontro, os discursos foram mais serenos e cordatos do que nos dias anteriores e ambos prometeram trabalhar em conjunto para chegar a uma solução.

Até lá, a AENA vai controlar com seguranças privados os acessos a todos os terminais do aeroporto entre as 21:00 e as 05:00, só permitindo a entrada a pessoas com bilhetes de avião, 'tickets' do parque de estacionamento e trabalhadores.

O controlo está em vigor desde quarta-feira e foi já questionado pela Provedoria de Justiça, embora a empresa garanta que só avançou depois de ter um parecer da Advocacia do Estado.

Maurici Lucena justificou que estes controlos são necessários para a situação "não piorar" e para "garantir a atividade" do aeroporto.

Na primeira noite de controlo, foi impedida a entrada a 150 pessoas e foram identificadas 170 a dormir no aeroporto, segundo dados do sindicato UGT, que representa os seguranças.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela