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Bob Vylan, os paladinos musicais do politicamente incorreto

Com uma mescla identitária de grime, punk e reggae, a banda britânica que fez da infâmia sucesso em Glastonbury quebra todas as barreiras do indizível

Pedro Henrique Miranda 17 de setembro de 2025 às 08:51
Bob Vylan atuou em Glastonbury com mensagens políticas fortes sobre Israel e Charlie Kirk EPA/MARCEL KRIJGSMAN
Os seus detratores acusam-nos de ser uma banda em que a música é secundária, chamando a atenção mais pelo sloganeering político fácil do que pelo mérito das suas canções. Os seus apoiantes saúdam-nos por usar a música para o seu propósito mais nobre: passar uma mensagem que contagie multidões, incitando-as à ação. Certo é que, antes deste ano, quase ninguém falava de Bob Vylan, e hoje, no que à relação entre a música e a política diz respeito, quase ninguém fala de outra coisa. Não é de hoje, no entanto, o compromisso da dupla com as causas que lhe granjearam admiração e controvérsia. Se há algo que se lhes pode considerar constante na ainda curta carreira de 8 anos, é a música como veículo panfletário. "Não viemos do nada, vivemos aqui", canta Bobby Vylan, o vocalista, no refrão do single do seu primeiro disco, We Live Here, de 2020, como resposta às manifestações de racismo e xenofobia que viram nascer o Brexit no seu país.  Cinco anos depois, continuam a carregar a tocha da luta contra a desigualdade em todas as suas formas, como se verificou pelas afirmações que lhes trouxeram fama (e infâmia) por todo o mundo: "Morte ao IDF [Forças de Defesa Israelitas]", entoado no palco do Festival de Glastonbury, em junho, em resposta ao genocídio perpetrado pelo Estado de Israel em Gaza, e uma série de insultos direccionados a Charlie Kirk na sequência do seu assassinato, num palco de Amesterdão. O mote dos Bob Vylan é o de resgate: de uma era em que ser músico passou a significar ter um olhar crítico sobre o mundo e expressá-lo nas suas letras - a comprovar pela nada subtil referência ao mestre da música de intervenção americana, Bob Dylan - e de duas das manifestações mais duradouras da arte da canção como protesto no imaginário coletivo, o punk e o reggae.  Pelo meio, há laivos de spoken word (resquícios das origens de Bobby como artista, declamando poesia em recitais), mas a maior influência na música da banda é mesmo o hip-hop, e mais especificamente o subgénero do grime, de que são expoentes nomes como Dizzee Rascal, Skepta ou Stormzy - um género especificamente negro e britânico, interseção fundamental para a noção de identidade que tanto exploram na sua música. Se não ganha por ser a combinação de géneros mais consensual, é certamente uma fusão muito propriamente sua, ou pelo menos pouco usual num momento em que punk, grime e reggae muito raramente se veem. As suas performances, amplamente disponíveis na Internet, são enérgicas, provocadoras e interpelativas, mas permaneceram por muito tempo no underground - segundo os próprios, porque as grandes editoras consideravam a sua música "demasiado extrema". A referência pode aplicar-se a mais do que os seus instrumentais, combinações tempestuosas de guitarras distorcidas e ritmos abrasivos. Ao longo de três discos, editados por pequenas gravadoras independentes - We Live Here (2020), Bob Vylan Presents the Price of Life (2022) e Humble as the Sun (2024) - deram voz a temas como a brutalidade policial, homofobia, masculinidade tóxica, capitalismo tardio, a indústria farmacêutica ou a hipocrisia da política britânica. Comum a todos eles é o tema da vivência negra na Europa de hoje. O ressurgimento do punk e do pós-punk como subgénero predominante do rock britânico (IDLES, Black Midi, Squid, Fontaines DC) e a recente emergência de grupos de hip-hop ativista como os Kneecap abriram caminho para a imposição ruidosa dos Bob Vylan, que veio não pela música, mas pela política: na sequência das palavras de ordem de "morte ao IDF", as condenações vieram de todas as direções, da organização do Glastonbury ao primeiro-ministro britânico, Keir Starmer - e, é claro, de Israel. Ficam por averiguar as consequências últimas da reação à morte de Charlie Kirk - em relação à qual comentários tidos como inapropriados já resultaram em despedimentos, condenações e um clima de supressão de opiniões, em particular nos Estados Unidos - que Bob Vylan chamaram de "pedaço de merda" poucos dias depois. Certo é que, num momento político em que a direita se aconchegava no estatuto de "politicamente incorreto", os Bob Vylan invertem o panorama: à esquerda da esquerda, são os novos paladinos do indizível.
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