Secções
Entrar

Peter Handke: "Não escrever é muito importante para mim"

10 de outubro de 2019 às 13:52

Nobel da Literatura de 2019 partilhou a sua opinião acerca de Saramago, Fernando Pessoa e Lobo Antunes.

Romancista e dramaturgo, poeta na juventude, com uma passagem relativamente fugaz pelo cinema como cineasta e argumentista, o escritor austríacoPeter Handkeconsidera-se, aos 66 anos, um prosador para quem "não escrever é muito importante".

Começou por estudar Direito, mas abandonou a universidade antes de terminar o curso e publicou aos 22 anos o primeiro romance, "Os Moscardos", em 1965. Assim iniciou uma prolífica carreira como escritor.

Em Portugal, onde se encontra para participar na 3.ª edição do Estoril Film Festival - com exibição hoje às 19:30 do filme "A Mulher Canhota", que realizou a partir do seu romance homónimo - estão publicadas 13 obras suas, entre romances, como "Uma Breve Carta para um Longo Adeus" e "A Tarde de um Escritor", assim como várias peças de teatro.

"Ainda agora não sei se sou escritor, mas a literatura tem sido toda a minha vida. Interrogo-me sobre se a literatura me tornou uma pessoa melhor... Um pouco melhor, não muito, mas um bocadinho. É suficiente, talvez", disse Peter Handke em entrevista à Lusa.

Observando que é míope por ter lido muito, o escritor defendeu que "qualquer autor que escreva um livro, mesmo um livro pequeno, mesmo uma só página que nos abra o mundo, é um bom escritor".

"Para mim - precisou - os escritores mais importantes quando eu era novo foram William Faulkner e Dostoievski e Franz Kafka, claro, mas também os chamados pequenos autores se tornaram muito importantes e são, por isso, uma espécie de fortificação para mim".

E poetas? "A poesia é muito estranha, é o essencial da mente humana, são palavras mágicas. É isso a poesia, para mim. De momento, não sei como está", referiu.

"Olhe para o Prémio Nobel: desde há muito tempo que não há um verdadeiro poeta como vencedor do Nobel. Adónis não é [vencedor], a poetisa dinamarquesa Inger Christensen, que morreu no início deste ano, também não... só prosadores ou escritores um pouco políticos. É uma pena que não haja poetas, à luz da humanidade", comentou.

Inquirido sobre se sabia que se diz de Portugal que é um país de poetas, Handke respondeu: "Há um que eu conheço, muito bom, que é Fernando Pessoa. Os outros, não conheço muito bem".

Quanto a prosadores - acrescentou -, "tentei ler Saramago e Lobo Antunes mas não cheguei a acabar. Saramago parece-me muito inteligente, demasiado inteligente para mim. Existe um raciocínio por detrás do seu olhar... Para mim, ele não é suficientemente inocente".

Peter Handke considera-se, agora, "um escritor de prosa" que escreveu poesia "quando era jovem" e que gostaria de voltar a escrevê-la.

"Gostaria de escrever poesia como [o espanhol] Antonio Machado fez. Estou a pensar que quando for muito velho posso escrever poesia. Ainda não sou suficientemente velho. Não sei porquê, é o que sinto", indicou.

Para o autor de "Poema à Duração", "há uma idade para a poesia: tem de se ser muito novo e, depois, tem de se esperar... pela sabedoria e intensidade e tristeza e alegria, tudo junto", porque "a poesia precisa não só de inocência, mas talvez de culpa e de inocência, as duas juntas".

O escritor, que se considera agora "um prisioneiro da literatura - mas, por vezes, um feliz prisioneiro da literatura", porque é esse o seu caminho, admitiu que "é normal não escrever absolutamente nada durante meses e meses".

"Fico apenas observando e ouvindo e zangando-me e entrando, às vezes, um pouco em desespero. Não escrever é muito importante para mim", sublinhou.

Contrapondo-se a alguns escritores que sentem a angústia da página em branco e que escrevem com método, como um dever, várias horas por dia, Peter Handke declara: "Sou uma espécie de amador".

"Não fico nada infeliz quando não estou a escrever. Mas escrever pode tornar-se uma necessidade. Quando não faço nada durante meses, a vida perde o sentido para mim. E então tento encontrar algum tipo de luz ou de escuridão, escrevendo. É uma forma de expedição: como um explorador que inicia uma viagem para ir ao centro de África, eu vou ao centro de mim mesmo. É como que uma viagem interior", descreveu.

Descubra as
Edições do Dia
Publicamos para si, em três periodos distintos do dia, o melhor da atualidade nacional e internacional. Os artigos das Edições do Dia estão ordenados cronologicamente aqui , para que não perca nada do melhor que a SÁBADO prepara para si. Pode também navegar nas edições anteriores, do dia ou da semana.
Boas leituras!
Artigos recomendados
As mais lidas
Exclusivo

Operação Influencer. Os segredos escondidos na pen 19

TextoCarlos Rodrigues Lima
FotosCarlos Rodrigues Lima
Portugal

Assim se fez (e desfez) o tribunal mais poderoso do País

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela
Portugal

O estranho caso da escuta, do bruxo Demba e do juiz vingativo

TextoAntónio José Vilela
FotosAntónio José Vilela