A decadência de Portugal é oficial e já não está dependente da emissão da dívida pública.
Houve uma época em que empenhámos a pimenta. Houve um tempo em que empenhámos o ouro. Agora estamos a vender o futuro. Já não sobra nada, porque nenhuma Cassandra dos nossos tempos teve capacidade de persuasão para evitar o destino trágico a que nos conduz a maior dívida externa desde 1890. A asfixia é lenta e vamos comemorando o pagamento de, apenas, um pouco menos de 7% de juros. A felicidade estampada no rosto de alguns dirigentes portugueses é, por isso, uma comédia. A questão não é de saliva, como enunciou o sublime Augusto Santos Silva. A liberdade, como evocou o poeta Alegre, não é Cavaco ir com a corda no pescoço até Bruxelas. O drama não é shakespereano: Portugal já não pode escolher entre ser ou não ser. Estamos dependentes do que outros, na Europa ou na China, decidem. Portugal arrisca ser uma sala de aluguer e expia os pecados da sua classe política. Cuja acção não se distingue da sua inacção. Com juros destes caminhamos alegremente, com a filarmónica do Governo a tocar o "Hino à Alegria", para o nosso funeral. Ou para o futuro incumprimento da dívida. Não sabemos para onde vamos mas sabemos, apenas, que não deveríamos estar aqui. Até Cassandra, neste momento, teria arrepios de tentar adivinhar o futuro. O leilão deixou-nos na mesma: no meio de uma ponte que ameaça desmoronar-se. Deu mais tempo à Europa para tentar arranjar um fundo para precaver o futuro problema espanhol. Mas, para Portugal, o relógio está a ficar sem pilhas.
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"O afundamento deles não começou no Canal; começou quando deixaram as suas casas. Talvez até tenha começado no dia em que se lhes meteu na cabeça a ideia de que tudo seria melhor noutro lugar, quando começaram a querer supermercados e abonos de família".