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Amnistia Internacional alerta para uso de migrantes como "bodes expiatórios" no aumento do crime na África do Sul

27 de agosto de 2022 às 10:39

A Africa do Sul apresenta uma das maiores taxas de criminalidade do mundo e a sua população tem se tornado cada vez menos tolerante para com os migrantes e refugiados que existem no país "acusando-os pelos elevados níveis de criminalidade".

A Amnistia Internacional (AI) na África do Sul considerou esste sábado que os migrantes não devem servir de "bodes expiatórios" para o agravamento da criminalidade no país, que registou quase 70 homicídios diários desde janeiro.

Em declarações à Lusa, a representante na África do Sul da organização mundial de defesa dos Direitos Humanos, Shenilla Mohamed, sublinhou que "ninguém está acima da lei, e se alguém na África do Sul for acusado de ter infringido a lei, a justiça deve seguir o seu devido curso".

"No entanto, os migrantes não podem ser bodes expiatórios para o aumento dos níveis de criminalidade, que infelizmente estamos a constatar aqui na África do Sul", frisou a ativista sul-africana.

Dados oficiais divulgados este mês, indicam que o país - que tem uma das piores taxas de criminalidade do mundo -, registou quase 70 assassínios por dia no primeiro semestre do ano, um aumento de 16,5% em relação ao primeiro semestre de 2021.

Em julho, centenas de moradores caçaram porta-a-porta trabalhadores mineiros em situação ilegal no país, conhecidos localmente por 'Zama Zama', após a violação coletiva de oito mulheres na região oeste de Joanesburgo, a capital económica do país.

A Amnistia Internacional afirmou estar "indignada" com o alegado incidente ocorrido nas minas abandonadas da pequena cidade mineira de Krugersdorp, onde um gangue armado terá invadido o local onde estavam a decorrer as filmagens de um videoclipe, e violou oito jovens raparigas que faziam parte do elenco. A equipa de filmagem foi também assaltada, segundo a imprensa local.

Pelo menos 350 trabalhadores mineiros em situação ilegal no país, dos quais 43 são moçambicanos, foram presos na sequência do alegado incidente de violação coletiva como parte de várias operações policiais de combate à mineração ilegal nas áreas de Krugersdorp e Randfontein, anunciou fonte da polícia sul-africana.

Pelo menos seis imigrantes moçambicanos, incluindo um menor de 16 anos, encontram-se entre 14 indivíduos que foram acusados formalmente por violação, assédio sexual, roubo em circunstância agravada e violação da lei de imigração relacionadas com o incidente que chocou o país, explicou fonte do Ministério Público sul-africano à Lusa.

Shenilla Mohamed salientou ser "importante" notar que "os migrantes detidos imediatamente após o incidente de Krugersdorp não foram acusados de violação, mas por estarem no país sem documentos", acrescentando que "desde então, 14 dos detidos foram supostamente ligados ao incidente de violação coletiva e enfrentam acusações".

"Não importa quem sejam os perpetradores, devem ser responsabilizados e mais deve ser feito para proteger as mulheres. A Polícia sul-africana e o Ministério Público devem agora agir rapidamente para garantir justiça para todas as vítimas", apelou a ativista sul-africana.

Na ótica da Amnistia Internacional na África do Sul, a ausência de "respostas adequadas" por parte do governo sul-africano no combate à galopante criminalidade no país, levou comunidades e grupos de vigilantes a agir ilegalmente contra "migrantes, refugiados e requerentes de asilo, acusando-os pelos elevados níveis de criminalidade".

Este fenómeno crescente na África do Sul "deixa os migrantes vulneráveis a ataques", salientou Shenilla Mohamed, para quem "a impunidade para crimes que incitam à xenofobia também contribui para a situação, porque ninguém é responsabilizado".

"A polícia precisa de agir contra quem comete um crime, mas também contra quem faz justiça com as próprias mãos", frisou.

Nesse sentido, a ativista considerou à Lusa que o Estado sul-africano "falhou" para com os sul-africanos e migrantes que vivem no país "por não lidar com as altas taxas de criminalidade" e por "permitir que a impunidade continue em torno de ataques xenófobos".

"A violação dos direitos das pessoas à segurança, proteção, dignidade e vida não deve continuar impunemente", adiantou.

A Amnistia criticou o sistema de gestão de asilo da África do Sul, afirmando que há milhares de requerentes sem documentação adequada, o que contribui para exacerbar a xenofobia no país.

"O atual sistema de processo de gestão de asilo está a falhar. Ao persistir com um sistema inoperacional que deixa aqueles que tentam reivindicar asilo sem documentos e no limbo, o governo está a causar uma divisão e a inflamar as tensões entre os cidadãos sul-africanos e os africanos que vivem no país", salientou à Lusa Shenilla Mohamed.

Mais de 6 mil minas abandonadas
Na África do Sul existem mais de 6 mil minas sem dono e abandonadas. Estas são da responsabilidade do Estado sul-africano, segundo as informações prestadas pelo Conselho de Minerais da África do Sul, antiga Câmara de Minas do país, com 135 anos de existência.

O responsável do Conselho, Allan Seccombe, indicou que "existem 6.100 dessas minas que estão sob a alçada do Departamento de Recursos Minerais e Energia" do Governo do Congresso Nacional Africano (ANC), no poder desde 1994 na África do Sul.

No início desta semana, Mamphela Ramphele, fundadora do partido político sul-africano Agang South Africa, publicou um artigo de opinião na imprensa local responsabilizando a indústria extractiva pelo estado de abandono em que se encontram várias minas no país.  

"A recente violação coletiva de mulheres jovens nas minas abandonadas em West Rand são o resultado doloroso dos fracassos de sucessivos governos em responsabilizar a indústria de mineração para garantir o encerramento das minas e a reabilitação das terras", referiu a ex-política sul-africana.

"As falhas do Governo também são evidentes a nível local, nos municípios em cuja jurisdição as operações de mineração estão localizadas. As infraestruturas física e social básicas estão em grave estado de degradação. Os serviços básicos como estradas, água e saneamento e remoção de lixo estão além da capacidade de muitos municípios. O governo continua a violar o direito dos cidadãos ao acesso a assentamentos humanos dignos e serviços básicos", salientou.

Mamphela Ramphele considerou também que "muitos cidadãos pobres vivem em barracas dentro e em redor de minas operacionais e abandonadas", acrescentando que "os beneficiários do fracasso do governo e do incumprimento das empresas de mineração são os sindicatos do crime que extraem os minerais remanescentes explorando ex-mineiros pobres".

Questionado nesse sentido pela Lusa, o porta-voz do Conselho de Minerais da África do Sul referiu que a organização e as mineradoras alertaram o Ministério no passado para o encerramento e reabilitação dessas minas "e estão dispostos a fazê-lo novamente para encontrar maneiras inovadoras de lidar com esse legado".

"Muitas dessas minas foram fechadas ou abandonadas muito antes da introdução da Lei de Desenvolvimento de Recursos Minerais e Petrolíferos em 2004, que impõe condições estritas às empresas de mineração para terem fundos de reabilitação, fundos de encerramento prematuro e efetuarem simultaneamente trabalhos de reabilitação para evitar os erros cometidos no século de mineração anterior e manterem a indústria a operar nos mais altos padrões de reabilitação ambiental", afirmou Allan Seccombe.

Sobre as medidas de combate à mineração ilegal e ao crime organizado que fustiga o setor, o responsável destacou: "Reforço do policiamento, uma unidade especializada da polícia focada no setor de mineração, legislação muito mais rígida contra a mineração ilegal que resulte em sanções rigorosamente aplicadas aos criminosos, reforço da inteligência criminal para impedir o fluxo de minerais extraídos ilegalmente e dissolver sindicatos do crime, e a prisão de líderes e mentores de sindicatos criminosos por trás da mineração ilegal".

Allan Seccombe referiu ainda à Lusa que o governo sul-africano deve implementar "medidas inovadoras para impedir o acesso a minas sem dono e abandonadas, desenvolvidas em parceria e cooperação entre o Departamento de Recursos Minerais e Energia e o setor privado, melhorar controlos de fronteira e, em última análise, fomentar o crescimento económico e a criação de emprego para providenciar às pessoas fontes legítimas de rendimento".

De acordo com o Conselho de Minerais, existem cerca de 35.000 mineiros imigrantes contratados nas minas da África do Sul, cujo setor emprega uma força de trabalho total de 459.000 pessoas.

"Os trabalhadores moçambicanos representam cerca de metade dos 35.000 mineiros migrantes nas minas sul-africanas, ou seja, cerca de 17.000 a 18.000 mineiros", referiu à Lusa o porta-voz do Conselho de Minerais da África do Sul.

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