O pretexto é a legalização da Uber, depois da profusão dos tuk-tuks. O fundo é a reflexão sobre o lugar e a posição do presente executivo, no que toca às matérias da livre empresa, do mercado, da concorrência, da nova procura e da expansão do capital
A maneira como o actual governo trata as questões da concorrência levará alguns, se calhar menos atentos, a riscar "socialismo" e a colocar "liberalismo" na etiqueta.Isso torna a tarefa da "oposição" mais difícil: nos dias de chuva, a "geringonça" parece o capitalismo. No resto do ano, é o domínio do Neandertal estatizante. Em que ficamos?O intróito era a propósito da Uber e do bebé Cabify, finalmente a legalizar, em regime concorrencial com os tradicionais táxis.Apesar das legiões de taxistas que devoraram os ministérios, a equipa Costa sabe que, no âmago da questão, está um problema de concorrência, definição de qualidade, preço e ascensão de novas realidades e profissões.Mesmo que uma parte da coligação quisesse proteger uma espécie de "direito adquirido" dos táxis, em nome da História, a restante sabe que os tempos mudam, as pessoas mudam e ninguém fica à espera. Os próprios taxistas conhecem isso.Em boa medida, os novos serviços do tipo Uber nasceram pelas insuficiências dos táxis normais. Estes eram ou mais caros, ou mais incómodos, ou mais velhos, ou menos atraentes, ou mais desagradáveis, do que as reluzentes frotas descaracterizadas, a pedido.Claro que há táxis e táxis, assim como há políticos e políticos. Podemos encontrar, nas nossas cidades e nas nossas serras, de tudo: motoristas de táxi exemplares, profissionais, contemporâneos, eficazes, honestos e civilizados, e o resto, a começar pelos veteranos de cenas tristes em paragens de aeroportos, pelos campeões do impropério e pelos condutores de roleta russa.A Uber e congéneres ficarão definidas não como empresas de transportes, mas enquanto fornecedores de aplicações informáticas, para acesso a frotas especializadas de transporte. Estas passarão a estar regulamentadas, com autorizações renováveis, motoristas obrigados a formação especial, título e identificação visíveis dentro do veículo, inspecções periódicas, seguro próprio, e um limite de idade de sete anos para os automóveis (o grande trunfo sobre os táxis, com muitos a apodrecer a olhos vistos).As empresas que trabalham para a Uber, e esta, em troca, não gozarão de benefícios fiscais nem de facturação simplificada. Não poderão usar as praças de táxi nem criar praças próprias (embora isto não resulte directamente do documento que li), nem usar as faixas actuais dos transportes públicos, nem ainda transportar clientes fora do pedido da aplicação electrónica.Claro que o governo vai ter de lutar contra um novo protesto taxista. Mas pode sempre navegar em águas turvas, se aceitar tarifas sazonais e regionais para o táxi tradicional, ou tarifas flexíveis para táxis de grande capacidade.A mensagem parece ser a mesma: apesar de o táxi velho, sob forma cooperativa ou individual, como empresa ou aventura pessoal, ter entrado no tecido laborioso e no imaginário de Portugal, pelas melhores e piores razões, a sua não evolução natural levou o público a preferir outros serviços.O governo podia agarrar-se à tradição e ao poder reivindicativo dos táxis. Podia ter resistido às sereias do Novo Capitalismo, das novas empresas e dos novos produtos, assim como podia ter preferido proibir os tuk-tuks, esses híbridos que unem Lisboa a Banguecoque.O governo podia ter ignorado o facto – alicerçado em impressões e sondagens – de haver novas classes profissionais, novos gostos sociais, novas necessidades (sobretudo urbanas) a exigir veículos rápidos e económicos, além da ordem ronceira, sindicalizada e burocrática, eternamente protegida pelo Estado, dos "transportes públicos".Preferiu abrir os olhos. Claro que, enquanto contribui para o crescimento da Uber com a sua mão liberal, continuará a usar a outra para proteger as empresas públicas de transportes, onde quer que se movam ou parem, e custe o que custar a sua má gestão e ineficácia.É que o socialismo triunfante pode ser neoliberal, mas ainda não chegámos à Madeira. Onde antes era uma cidade Aleppo, no Noroeste do país que um dia se chamou Síria, teve mais de dois milhões de habitantes, e já foi a maior e mais bela cidade local. Hoje é um fantasma, com um décimo da população original encarcerada entre ruínas. O Norte está ocupado pelo Hezbollah libanês, pela Guarda do Irão e pelo al-Quds palestiniano. O Ocidente é dominado pelo regime de Assad e pelas suas milícias. Os quarteirões de Leste, Sudeste e Nordeste são bastião do Exército Livre e da coligação de cinco grupos rebeldes "moderados". A aviação russa bombardeia sem cessar. A prioridade de Moscovo não parece ser a guerra ao Daesh, que não está aqui, mas a manutenção do cadáver de Aleppo nas mãos de Damasco. Infelizmente.Sangue na arenaNos Estados Unidos, os debates televisivos começaram em 1960. Sendo o meio a mensagem (e a massagem), para citar o indispensável McLuhan, tudo o que se investe ali tem consequências. Nixon achava que discutir na "novidade" do ecrã era só mais um episódio de campanha. Jack Kennedy, pelo contrário, queria saber tudo: cor de camisa e gravata aconselháveis, tempos de resposta, posição das câmaras, qualidade do som, posição dos corpos. 56 anos depois, os três confrontos entre Hillary e The Donald, se se concretizarem, serão decisivos. A grande notícia consiste, claro, na diminuição, em 1,2 por cento, do nível de pobreza nacional. Mas o que o público quer é o combate de gladiadores, depois do adeus ao cavalheirismo. Pela trela da tela O fraquinho Os Sete Magníficos recordou-me a obra-prima original de Kurosawa. Está reeditada em Samurai Collection (4 DVD). Já a reposição de Taxi Driver, de Scorsese (na foto), faz descobrir um dos grandes trechos claustrofóbicos do século XX. Quanto a Horizonte Profundo, eis um filme catástrofe com consciência. Evolução: filmado em Lanzarote, belíssimo e perturbante, aquilo que o cinema fantástico francês devia ser. Eight Days a Week – The Beatles vive magistralmente de documentos da época, e A Casa da Senhora Peregrine, a estrear esta semana, reconcilia-nos com Tim Burton, depois de demasiadas excentricidades maçadoras. Na música: Vitamina D, de André Santos, uma guitarra com garra, para um jazz mais do que cinemático.
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O humor deve ser provocador, desafiar convenções e questionar poderes. É um pilar saudável da liberdade de expressão. Mas quando deixa de ser crítica legítima e se transforma num ataque reiterado e desproporcional, com efeitos concretos e duradouros na vida das pessoas, deixa de ser humor.