O meu amigo tem tantos ou mais sonhos do que eu, mas o cancro chegou e disse-lhe que afinal já não podia ser, que tinha de ficar por aqui, que o resto fica para quem continuar por cá. Sempre o cabrão do cancro, esse devorador de esperança que aparece sem ser convidado.
Anteontem fui visitar um amigo que se vai embora. Quando um amigo vai embora, não vai embora sozinho, leva com ele uma parte daquilo que nós somos e depois é o cabo dos trabalhos para sabermos o que havemos de fazer com o buraco que fica. Falámos muito, conversámos sobre histórias que vivemos, rimos. Ficámos pouco tempo em silêncio, porque há alturas em que o silêncio abre uma porta que vai dar a um sítio muito escuro, e tivemos medo dele. O meu amigo vai embora porque está muito doente, e já não há nada a fazer a não ser esperar que um dia o corpo se canse de estar cá e o leve com ele. Tentou tudo o que havia para tentar, até que os médicos disseram o que ninguém quer ouvir: já não podemos fazer nada, isto agora é uma questão de tempo até o corpo não aguentar mais, sabe que isto depois de chegar aos órgãos é muito rápido. O meu amigo tem a mesma idade que eu, e quando um amigo com a mesma idade que nós nos diz que vai embora parece que não está a falar a sério, parece que estamos a ver um filme, é assim uma espécie de tontura; isto não são frases para uma pessoa dizer com esta idade, então vais embora para onde se ainda tens tanta coisa à tua espera? O meu amigo tem tantos ou mais sonhos do que eu, mas o cancro chegou e disse-lhe que afinal já não podia ser, que tinha de ficar por aqui, que o resto fica para quem continuar por cá. Sempre o cabrão do cancro, esse devorador de esperança que aparece sem ser convidado, instala-se e fica a ganhar espaço onde não é bem-vindo e leva as pessoas que bem entende, sem ninguém conseguir agarrar nele para ajustar contas. Anteontem estive com o meu amigo e senti-me muito pequenino, senti que era infinitamente mais fraco do que ele. Ele olhava para quem estava à sua volta com uma calma e um sorriso que me atormentaram, como se estivesse perante o avesso. Que espécie de coragem é esta que consegue fazer aquela expressão diante do horror? Falou calmamente sobre o facto de saber que já não havia nada a fazer, que não estava zangado, que tinha pena que acabasse assim, mas não havia na cara dele raiva ou revolta contra a sorte que lhe calhou. O meu amigo, que é ateu, disse que sentia que era uma espécie de continuação. Falava como se estivesse a explicar ao corpo que agora o tempo é dele, para que ouvíssemos todos ao mesmo tempo.
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É excelente poder dizer que a UE já aprovou 18 pacotes de sanções e vai a caminho do 19º. Mas não teria sido melhor aprovar, por exemplo, só cinco pacotes muito mais robustos, mais pesados e mais rapidamente do que andar a sancionar às pinguinhas?
“S” sentiu que aquele era o instante de glória que esperava. Subiu a uma carruagem, ergueu os braços em triunfo e, no segundo seguinte, o choque elétrico atravessou-lhe o corpo. Os camaradas de protesto, os mesmos que minutos antes gritavam palavras de ordem sobre solidariedade e justiça, recuaram. Uns fugiram, outros filmaram.
Um bando de provocadores que nunca se preocuparam com as vítimas do 7 de Outubro, e não gostam de ser chamados de Hamas. Ai que não somos, ui isto e aquilo, não somos terroristas, não somos maus, somos bonzinhos. Venha a bondade.