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Renato Gomes Carvalho Membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses
07.08.2025

E se a educação sexual fosse feita por influencers?

A escola é um espaço seguro, natural e cientificamente fundamentado para um diálogo sobre a sexualidade, a par de outros temas. E isto é especialmente essencial para milhares de jovens, para quem a escola é o sítio onde encontram a única oportunidade para abordarem múltiplos temas de forma construtiva.

As recentes propostas de alteração à disciplina de Cidadania, nomeadamente retirar ou relegar para segundo plano o tema da educação e saúde sexual do seu currículo, nos termos em que têm sido apresentadas, têm sido vistas com muita preocupação e estão a gerar muito debate. Certamente que o currículo das disciplinas e das áreas não disciplinares pode ser debatido, por exemplo a adequação de certos conteúdos que alguns classificam de caricatos - também é bom lembrar que para desconstruir conceitos ou seja o que for, alguma base tem de estar minimamente estruturada. Mas essa é uma discussão que se pode ter no plano pedagógico e profissional, justamente por integrar dimensões técnicas e éticas. O que certamente não deveríamos fazer era transformar a educação sexual, que é uma importante conquista civilizacional, em mais um tópico para lutas tribais. E numa altura em que tanto se fala do "nosso modo de vida" e dos "nossos valores", a propósito de outros temas, bem podemos falar disso em relação à educação sexual.

Independentemente de detalhes e argumentos formais, de mais ou menos horas, de mais ou menos alternativas, a questão essencial é a do sinal de esvaziamento de um espaço curricular e natural onde se abordam temas fundamentais e que correspondem a desafios reais enfrentados por adolescentes e jovens no seu desenvolvimento. Serão a formação afetiva e sexual, o consentimento, a diversidade, a saúde reprodutiva, a identidade ou a igualdade de género temas que consideramos menores?

Num mundo com as características que conhecemos, de contínua exposição a conteúdos digitais (e até quando se tem procurado tomar medidas neste domínio), é ainda mais paradoxal que a ideia seja reduzir a importância que contextos como a escola têm na abordagem profissional a estes temas. A escola é um espaço seguro, natural e cientificamente fundamentado para um diálogo sobre a sexualidade, a par de outros temas. E isto é especialmente essencial para milhares de jovens, para quem a escola é o sítio onde encontram a única oportunidade para abordarem múltiplos temas de forma construtiva.

E se há quem ache que retirar o tema do currículo ou reduzir o seu papel fará com que este deixe de ser falado, não se iluda: esse espaço será rapidamente preenchido - como de resto já se vê - e não necessariamente por quem ou algo que seja recomendável. Decidirmos que não falamos de sexualidade e afetos, com o devido espaço e tempo, não evita o tema. Apenas acentua que as fontes utilizadas pelos adolescentes e jovens sejam de menor qualidade, não sejam as mais apropriadas, ou sejam espaços de desinformação. Queremos mesmo que, fora de casa, em vez de professores, psicólogos e outros profissionais especializados, num espaço formativo natural e seguro, sejam somente os influencers nas redes sociais a tratar de relacionamentos, consentimento, sexualidade e afetos?

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