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Pedro Ledo
13.11.2025

A IA na educação primária

A Inteligência Artificial como Acelerador na Educação Infantil: Possibilidade, Desafios e Caminhos Éticos.

A integração da inteligência artificial (IA) na educação deixou de ser um exercício de ficção científica para se tornar uma realidade emergente. Embora o debate público se concentre frequentemente no ensino superior e na formação profissional, a verdadeira revolução pode começar muito mais cedo: na educação infantil. A questão central é se a IA pode atuar como um acelerador cognitivo e pedagógico nas primeiras fases da aprendizagem, sem desumanizar o processo educativo.

Diversos estudos recentes, como os conduzidos pela UNESCO (2023) e pela OECD Education and Skills Directorate, apontam que o uso criterioso da IA pode personalizar o ritmo e o conteúdo da aprendizagem, respeitando as diferenças individuais e estimulando o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais.

A primeira infância (dos 3 aos 6 anos) é uma janela crítica para o desenvolvimento do cérebro humano, caracterizada por elevada plasticidade neuronal. A IA, através de algoritmos de machine learning (aprendizagem automática), é capaz de analisar padrões de comportamento, atenção e resposta das crianças em tempo real. Plataformas educativas com IA podem adaptar histórias, jogos e desafios às necessidades cognitivas e emocionais de cada criança.

Projetos-piloto conduzidos em escolas na Finlândia e na Coreia do Sul mostram que sistemas de IA que ajustam a dificuldade de tarefas lúdicas com base nas expressões faciais e no tempo de resposta das crianças aumentam em até 30% o envolvimento e a retenção de aprendizagem (fonte: European Schoolnet, 2024).

Contudo, é essencial compreender que a IA não substitui o educador; atua antes como um copiloto pedagógico, fornecendo feedback contínuo e dados de progresso que permitem ao professor intervir com maior precisão e empatia.

Outra área promissora é o uso de IA generativa — como assistentes conversacionais e ferramentas de desenho inteligente — para fomentar a imaginação infantil. Aplicações como Scribble Diffusion ou ChatGPT Kids Mode (em fase experimental) permitem que as crianças expressem ideias por voz ou desenho, e vejam-nas transformadas em histórias ou imagens, reforçando o vínculo entre imaginação e linguagem.

Esta abordagem está em consonância com a teoria de Lev Vygotsky sobre a zona de desenvolvimento proximal: a IA pode atuar como mediadora simbólica, ajudando a criança a passar do pensamento intuitivo ao pensamento lógico através da interação lúdica e assistida.

O uso de IA em contextos de infância levanta, inevitavelmente, questões éticas delicadas. A recolha de dados biométricos, como expressões faciais e padrões de voz, requer uma estrutura legal robusta de proteção de dados. O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia é claro ao impor consentimento parental explícito e proibição de perfis automatizados que possam afetar o desenvolvimento ou a privacidade das crianças.

Académicos como Luciano Floridi (Universidade de Oxford) defendem que a IA em educação deve seguir o princípio da “beneficência digital”, assegurando que toda tecnologia usada em contexto infantil promove o bem-estar cognitivo e emocional, e não apenas a eficiência pedagógica.

A tecnologia, por mais sofisticada que seja, não substitui o olhar humano. O professor continua a ser o mediador insubstituível do processo educativo. A IA pode ajudar a libertar tempo dos educadores de tarefas repetitivas — como correção de exercícios ou registo de progressos —, permitindo-lhes concentrar-se no que mais importa: o desenvolvimento afetivo, a curiosidade e a autonomia da criança.

O desafio contemporâneo não é “substituir” o professor, mas reconfigurar o seu papel: de transmissor de conhecimento para arquiteto de experiências de aprendizagem personalizadas, informadas por dados e pela sensibilidade humana.

É possível educar com tecnologia 

Sim, é possível — e desejável — que a IA seja um acelerador da educação infantil. Mas este avanço só será benéfico se for ancorado em valores pedagógicos sólidos, ética, supervisão humana e equidade de acesso. A educação do futuro não será apenas tecnológica: será mais humana precisamente porque as máquinas cuidarão da repetição, libertando os humanos para cuidar da imaginação.

Como lembra Yuval Noah Harari, “a educação do século XXI não deve ensinar apenas informação, mas a capacidade de reinterpretar e reinventar”. E talvez a IA, usada com sabedoria, seja o primeiro brinquedo inteligente verdadeiramente capaz de ensinar a pensar.

A educação infantil sempre foi o berço onde se semeiam as competências cognitivas, emocionais e sociais que moldam o ser humano. A introdução da inteligência artificial neste contexto representa uma oportunidade sem precedentes para compreender como as crianças aprendem, pensam e interagem com o mundo. Mais do que uma ferramenta, a IA pode tornar-se um ambiente de descoberta, um espelho sensível à curiosidade e à criatividade infantil. Contudo, para que essa promessa se concretize, é necessário um equilíbrio delicado entre tecnologia e humanidade.

A IA tem o poder de personalizar a aprendizagem em tempo real, algo que nenhuma metodologia tradicional conseguiu fazer de forma tão precisa. O acompanhamento contínuo do progresso, o ajuste de tarefas à velocidade de cada criança e a identificação precoce de dificuldades cognitivas transformam o processo educativo num ecossistema dinâmico. Essa adaptabilidade é essencial numa era em que o conhecimento se renova de forma vertiginosa. O foco deixa de ser o “ensinar igual a todos” e passa a ser o “aprender ao ritmo de cada um”.

No entanto, a inovação sem reflexão ética pode tornar-se perigosa. A infância é um território sensível, e a manipulação inadvertida de dados ou a criação de perfis automatizados de desempenho podem gerar desigualdades e preconceitos algorítmicos. É imprescindível que as escolas e as entidades públicas desenvolvam políticas claras de governança da IA, baseadas nos princípios do RGPD e nos valores da Declaração Europeia sobre Ética Digital. As crianças não podem ser tratadas como fontes de dados, mas sim como sujeitos de direitos, em formação e em crescimento.

Há também um risco subtil: o da substituição da empatia pela eficiência. A tecnologia não deve retirar o toque humano do processo de ensino, mas antes potenciá-lo. O educador é o tradutor da emoção, o guia moral e o guardião do sentido. Se a IA for usada como mero instrumento de produtividade, perde-se o essencial — a dimensão afetiva que dá sentido à aprendizagem. A escola não é uma fábrica de resultados, mas um espaço de relação.

Por outro lado, o impacto positivo pode ser profundo se a IA for integrada com propósito. Imagine-se uma criança que aprende a reconhecer emoções através de histórias adaptadas à sua expressão facial, ou que melhora o vocabulário por meio de conversas com um assistente virtual treinado para respeitar o seu ritmo e interesse. Este tipo de interação não substitui o professor; amplia a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, permitindo à criança alcançar níveis de compreensão que antes dependeriam apenas da mediação humana.

A IA pode também servir como ferramenta de inclusão social, ajudando crianças com necessidades educativas especiais. Softwares que reconhecem padrões de atenção, voz e movimento podem adaptar conteúdos para crianças com dislexia, défice de atenção ou limitações motoras, democratizando o acesso ao conhecimento. Nesse sentido, a tecnologia não é um luxo pedagógico, mas um ato de justiça social — desde que o acesso seja universal e o investimento público acompanhe a inovação privada.

Num horizonte mais vasto, o papel do Estado e das universidades é decisivo. O investimento em investigação interdisciplinar — entre psicologia, pedagogia e ciência de dados — deve orientar o desenvolvimento de tecnologias educativas centradas na criança, e não no lucro. A formação de educadores com competências digitais, éticas e pedagógicas será o pilar que sustentará esta transição. A IA não substituirá o professor, mas exigirá um novo tipo de professor: um curador de experiências de aprendizagem assistidas pela tecnologia.

Em última análise, a IA pode sim ser um acelerador da educação infantil, desde que o motor desse avanço continue a ser o humano. A criança deve ser vista como o centro de um ecossistema inteligente, em que a tecnologia é uma extensão da curiosidade e não uma prisão digital. O futuro da educação dependerá não apenas da sofisticação das máquinas, mas da sabedoria com que as usaremos. Se conseguirmos aliar ética, ciência e ternura, então a IA não será apenas uma ferramenta — será o primeiro capítulo de uma nova pedagogia humanista, moldada pela inteligência das máquinas e pela sensibilidade das pessoas.

Apostar na inteligência artificial é crescer, mas sempre com a experiência de interiorizar e sentir o conhecimento.

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