Sábado – Pense por si

Paulo Lona
Paulo Lona Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
21 de outubro de 2025 às 07:00

Trabalhar com medo: a nova realidade nos tribunais e departamentos do Ministério Público?

Os magistrados não podem exercer funções em espaços onde não lhes sejam asseguradas as mais elementares condições de segurança. É imperioso que existam vigilantes, detetores de metais e gabinetes próprios para o atendimento ao público, inquirições e interrogatórios.

Foi recentemente noticiada a agressão, ocorrida nas instalações do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra, a uma magistrada do Ministério Público que aí se encontrava a exercer as suas funções.

Na semana anterior, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) tinha estado nesse local, no âmbito de um conjunto de reuniões plenárias que está a realizar e que abrangerá todas as 23 comarcas do país. O objetivo destas reuniões é identificar os principais obstáculos estruturais e operacionais que comprometem a atividade do Ministério Público e o regular funcionamento dos tribunais.

Logo nessa ocasião, o SMMP alertara para a situação crítica das instalações do DIAP de Coimbra, situadas num edifício partilhado com serviços comerciais e clínicos — cabeleireiro, consultório dentário e clínica de cardiologia — circunstância que compromete a reserva inerente à atividade do Ministério Público e põe em causa a segurança. Assinalou-se, igualmente, que a falta de espaço obrigava os magistrados a partilhar gabinetes, dificultando a realização de diligências sensíveis.

Infelizmente, bastou uma semana para que os receios então expressos se confirmassem, através da agressão física a uma magistrada do Ministério Público.

Permanece, contudo, a inquietação de que algo de ainda mais grave possa vir a suceder nestas ou noutras instalações onde inexistem as mínimas condições de segurança para magistrados e oficiais de justiça. Não há detetores de metais, nem um controlo efetivo de entradas. Nada teria impedido o agressor de entrar armado, com consequências potencialmente trágicas.

Já em 2022, um inquérito promovido pelo SMMP identificara diversas situações de risco em várias comarcas, resultantes da ausência de detetores de metais e vigilância. Nessa ocasião, constatou-se que não existiam sistemas de segurança em 27,7% das situações analisadas; entre as existentes, apenas 19,5% dispunham de detetores de metais, 26,3% de alarmes e 50,8% de sistemas de segurança externa.

Os magistrados não podem exercer funções em espaços onde não lhes sejam asseguradas as mais elementares condições de segurança. É imperioso que existam vigilantes, detetores de metais e gabinetes próprios para o atendimento ao público, inquirições e interrogatórios.

Não é aceitável exigir aos profissionais da justiça — magistrados e oficiais de justiça — um trabalho cada vez mais intenso e exigente sem garantir o mínimo indispensável à sua segurança.

Importa recordar que, frequentemente, as pessoas que recorrem aos tribunais ou aos serviços do Ministério Público enfrentam estados emocionais alterados, marcados por ansiedade, frustração ou revolta. Pais em litígio pela guarda dos filhos, vítimas de violência doméstica em desespero, arguidos confrontados com medidas restritivas ou cidadãos descontentes com decisões judiciais podem reagir de forma imprevisível, originando situações de tensão e, por vezes, de agressão.

Este contexto traduz riscos concretos para magistrados e funcionários, expostos a comportamentos hostis, reações descontroladas ou tentativas de intimidação. Torna-se, por isso, essencial garantir condições de trabalho que salvaguardem a sua segurança física e psicológica, através do reforço dos dispositivos e estruturas de proteção nos edifícios dos tribunais e departamentos do Ministério Público.

É urgente que o Ministério da Justiça proceda ao levantamento das situações de risco que ameaçam a segurança de magistrados, oficiais de justiça e demais intervenientes processuais, criando condições para que todos se sintam protegidos nos espaços da justiça.

O SMMP continuará a visitar os tribunais e departamentos do Ministério Público, denunciando publicamente as situações de risco que identifique.

Espera-se, contudo, que a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Superior do Ministério Público não “assobiem para o lado” e cumpram a sua obrigação de identificar e comunicar essas situações ao Ministério da Justiça.

Mais crónicas do autor
21 de outubro de 2025 às 07:00

Trabalhar com medo: a nova realidade nos tribunais e departamentos do Ministério Público?

Os magistrados não podem exercer funções em espaços onde não lhes sejam asseguradas as mais elementares condições de segurança. É imperioso que existam vigilantes, detetores de metais e gabinetes próprios para o atendimento ao público, inquirições e interrogatórios.

14 de outubro de 2025 às 07:29

Da averiguação disciplinar à sindicância processual: um passo perigoso

A averiguação só se justifica quando há margem legal para instaurar procedimento disciplinar.

07 de outubro de 2025 às 07:00

Inquérito e investigação de magistrados: Especulação e Desinformação

Pergunto-me — não conhecendo eu o referido inquérito arquivado que visaria um juiz — como é que certas pessoas e associações aparentam possuir tanto conhecimento sobre o mesmo e demonstram tamanha convicção nas afirmações que proferem.

30 de setembro de 2025 às 07:00

A independência da justiça brasileira sob ataque

Os sistemas de justiça independentes, pilares essenciais da democracia, enfrentam hoje estratégias concertadas de descredibilização e intimidação: magistrados visados nas redes sociais, campanhas de difamação patrocinadas, ameaças físicas e mesmo retaliações internacionais.

23 de setembro de 2025 às 07:43

Concurso de Magistrados e a Importância do Respeito aos Princípios Fundamentais

A condenação do CSMP assenta na ultrapassagem das limitações estatutárias quanto à duração dos mandatos e na ausência de fundamentos objetivos e transparentes nos critérios de avaliação, ferindo princípios essenciais de legalidade e boa administração.

Mostrar mais crónicas