Sábado – Pense por si

Octávio Lousada Oliveira
Octávio Lousada Oliveira Consultor de comunicação
05 de dezembro de 2025 às 07:04

O centro, esse buraco negro

O centrismo tem sido proclamado por diversas personalidades que não têm a mais pálida ideia do que fazer ao país. É uma espécie de prêt-à-porter para gente sem cultura política e, pior que isso, sem convicções ou rumo definido.

Refém de uma mediocridade institucionalizada e de protagonistas incapazes de se assumirem como representantes de algo que abane as águas, agite consciências, desafie corporações ruidosas ou ameace interesses instalados, a pátria tem sido sujeita a um flagelo silencioso a que tenho tomado a liberdade de chamar epidemia do centrismo vazio.

Celebrado como sinónimo de moderação na forma e no conteúdo, o centrismo tem sido proclamado por diversas personalidades que não têm a mais pálida ideia do que fazer ao país. É uma espécie de prêt-à-porter para gente sem cultura política e, pior que isso, sem convicções ou rumo definido.

Desde a camisa de forças pós-revolucionária que condicionou a fundação do Centro Democrático Social (CDS) - o “novo partido” que se inspirava no giscardianismo que, por essa altura, se impunha em França -, e que se ancorava no humanismo, no personalismo e na doutrina social da Igreja e só não era de direita porque sê-lo e assumi-lo, à data, era heresia, que o centro tem sido um albergue sem critérios nem porteiros.

De esquerda suave na sua génese, o PSD permanece incapaz de se cumprir como um verdadeiro partido popular, um catch-all descomplexado que abandone em definitivo os preconceitos de que para o socialismo só há uma via, a da social-democracia. Quase como se do dogma resultasse algo intrinsecamente virtuoso e todo e qualquer desvio a essa pureza fundacional fosse merecedor de punição.

O próprio PS, aqui e ali menos fiel ao soarismo sobre o qual se erigiu, enferma desse mal, procurando mitigar derivas com doses homeopáticas de centrismo embrulhadas em declarações anódinas sobre socialismo democrático (mesmo quando encostado a partidos revolucionários, que abominam a democracia liberal, como no mundo ocidental a concebemos) e sobre o seu papel incontornável como partido-charneira do nosso regime, que, em face da ascensão do Chega, terá perdido – veremos se não definitivamente.

Para mal dos nossos pecados, o centrismo, entendido como sinónimo de moderação e equilíbrio e, mais esdrúxulo ainda, como uma forma salutar de negação da ideologia e da dialéctica, tornou-se um vício para quem procura obter sucesso eleitoral imediato e até consegue enganar uns quantos papalvos durante algum tempo.

Veja-se o PAN, que não é de esquerda nem de direita – é, antes, uma coisa em forma de assim, como escreveria Alexandre O’Neill. Ou mesmo a Iniciativa Liberal, que recusa a velha dicotomia herdada simbolicamente da Revolução Francesa e, por essa razão, continua a enfrentar as naturais tensões resultantes de acolher militantes tão diferentes entre si.

Se transpusermos tudo isto para as próximas eleições presidenciais, o enfado agudiza-se. Luís Marques Mendes, quando questionado se é o candidato do centro, apressa-se a catalogar-se como o candidato da “moderação e equilíbrio”. Por oposição, aos outros, aos ideológicos, tolhidos pela sua mundividência. Por sua vez, numa entrevista recente ao Público, António José Seguro tentou saltar da gaveta da esquerda para procurar ganhos no mar de gente que julga – e os comentadores corroboram a tese – existir ao centro. Algo que, refira-se, nem o seu próprio partido lhe perdoa.

E o que dizer de Henrique Gouveia e Melo, que já assegurou ter em Mário Soares o seu modelo de Presidente, já lamentou a existência de tanto Estado nas nossas vidas, assumindo-se, nessa ocasião, “mais liberal”, mas, uns meses antes, numa auto-psicografia excêntrica, garantiu situar-se politicamente “entre o socialismo e a social-democracia” – espaço, porventura, tão exíguo que só o próprio conseguirá vislumbrar.

Não satisfeita com a ambiguidade – ou com a vacuidade, para que também eu não seja traído pela ambiguidade -, a Igreja Universal do Reino de Gouveia e Melo encontrou-lhe um novo epíteto: o de “centrista pragmático”, que o próprio tem mais dificuldade em explicar que a ler as cábulas para os debates produzidas pela sua vastíssima equipa de comunicação.

O centrismo apresenta-se hoje como a arca do tesouro no final do arco-íris. Como Santo Graal de candidatos herméticos, redondinhos e pós-ideologia. Como a panaceia para os males de doutrinas, cartilhas e convicções empedernidas. Os tempos, esses, exigem menos refúgios confortáveis e porta-vozes de platitudes. Mais que um lugar-comum, o centro é um buraco negro.

P.S.: Em nome da transparência, sinto-me na obrigação de informar os leitores de que integro a equipa de campanha de João Cotrim Figueiredo. No entanto, tudo o que escrevo não vincula ninguém além de mim mesmo

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