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Paula Cordeiro Especialista em comunicação
01.12.2025

Quem somos, com e sem inteligência artificial? A insustentabilidade do pensamento moderno

A literacia mediática e digital da maior parte da população não lhe permite saber que os seus dados são usados e para quê, menos ainda que as fotos que inocentemente publica são transformadas em lições para melhorar a inteligência artificial.

Por vezes começo a escrever e dou por mim a pensar que me repito, que o tema é o mesmo e que deveria mudar mas também me parece que, mesmo que escrevesse o mesmo todas as semanas, continuaríamos a ignorar. Porque não é possível que não saibamos o que se está a passar, que não nos chegue a informação sobre o que nós estão a fazer e o que está a acontecer.

Tecnologia. Volto ao tema, e voltarei enquanto sentir que há muito a dizer e que muito nos está a escapar. Por exemplo, a Meta, empresa que detém o Facebook, Instagram e Whatsapp, tem uma nova estratégia para treinar os modelos de inteligência artificial generativa: recorre às mensagens que trocamos, conteúdos que partilhamos e fotografias que enviamos ou publicamos. E o que consegue com isso? Um manancial infinito e gratuito de material para que a inteligência artificial aprenda e melhore a cada dia de passa. É bom? É. É mau? Também. Se, por um lado, por utilizarmos estas plataformas que são, por definição, gratuitas, há uma moeda de troca e, portanto, cedemos os nossos dados e os dados do conteúdo que partilhamos, por outro, também já têm uma versão paga, o que me leva a perguntar se os conteúdos desses utilizadores estarão indisponíveis para treinar a inteligência artificial ou se, nem pagando escapamos.

Quando a maior parte de nós se inscreveu para usar estas plataformas, nada disto acontecia. Ou pelo menos, não de forma tão ostensiva e descarada. E para continuar a usar, ou aceitamos ou temos de tirar um doutoramento em arquitetura de navegação de conteúdos, porque é preciso paciência e experiência neste tipo de funcionalidades para conseguir desativar algumas destas opções. O que me leva de novo ao tema que motiva tudo o que escrevo: precisamos urgentemente saber o que estamos a fazer, conhecendo as plataformas e as ferramentas que usamos, as suas funcionalidades e modos de agenciamento. Aprender a usar, para não ser usado. E não é o que acontece.

A literacia mediática e digital da maior parte da população não lhe permite, sequer, saber que os seus dados são usados e para quê, menos ainda que as fotos que inocentemente publica são transformadas em lições para melhorar a inteligência artificial, a qual, por sua vez, contribui, em muito, para redefinir o que são estas plataformas, a forma como as usamos e o que, através delas, partilhamos. O que me leva a pensar que a preocupação dos economistas, cientistas e futuristas, é real: vamos ser inúteis, em muito pouco tempo e, como o ser humano se define principalmente pelo serviço ao outro e aquilo que faz, o vazio irá tomar conta de nós, numa espécie de depressão coletiva que nos irá matar.

Há uma preocupação global com o trabalho e o que será o futuro do trabalho, com a potencial substituição do ser humano pela inteligência artificial, aspecto que vem acontecendo há já muito tempo mas, que agora, assume outras proporções. Já não se trata apenas de automação de tarefas mas de uma extensão a áreas que, até aqui, eram do domínio do conhecimento ou técnica dominada pelo ser humano. Da medicina ao direito, incluindo largos sectores da comunicação e do marketing, a aparente ameaça é real e o alerta está a ser motivo de discussão em diferentes fóruns sem, contudo, sabermos o que fazer quando não tivermos nada para fazer. Quando ficamos desempregados, o nosso emprego é procurar emprego. Por vezes, redefinimos-nos. Com trabalho e sem ter o que fazer, ficamos na prateleira. O vazio que provoca vai obrigar-nos a repensar quem somos e o que fazemos. Ainda que insuficiente, na verdade, a maior parte das pessoas define-se por aquilo que faz. É a sua profissão, dedicação ao trabalho que se assume quase como missão.

O tédio, muitas vezes, ajuda a pensar mas como este excesso de utilização de ferramentas de inteligência artificial que nos ajudam a pensar (escrever uma mensagem, perguntar o que fazer ou como fazer, bem como questões mais relevantes do foro profissional), está a anular a nossa necessidade de pensar e, por consequência, a nossa vontade e capacidade para o fazer, como será? Iremos perguntar à inteligência artificial quem somos e o que fazer? Talvez não corra nada bem, provando a insustentabilidade do pensamento moderno.

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