Insustentável (in)felicidade
Há uma data que, anualmente, marca discretamente o princípio do fim. O Earth Overshoot Day marcou o ponto de ruptura, expondo o descompasso entre o que exigimos da Terra e o que esta consegue repor.
Estamos mais infelizes do que nunca, cada vez mais pessoas enfrentam problemas de saúde mental, a situação global agudiza-se, a economia está por um fio e as previsões indicam que o mundo está para acabar. Eu só não sei se temos mais informação sobre estes temas ou se a realidade está pior do que alguma vez teve. Em qualquer dos casos, não é bom.
Há uma data que, anualmente, marca discretamente o princípio do fim. O Earth Overshoot Day (Dia da Sobrecarga da Terra), 24 de julho, marcou o ponto de ruptura, expondo o descompasso entre o que exigimos da Terra e o que esta consegue repor. Estamos a viver acima da capacidade do planeta e, este ano, gastámos, em sete meses, o que o planeta regenera num ano. Desde o dia 24 de julho que vivemos a crédito e todos sabemos o que isso significa: viver acima das nossas possibilidades. Interessante, ou não, os países mais ricos esgotam o orçamento entre fevereiro e abril. Mantêm o ritmo à custa das próximas gerações e da extração continuada nos países economicamente desfavorecidos, transformando um problema, num problema ainda maior.
Simultaneamente, o fim do mundo, a versão idealizada e apocalíptica dos anos vindouros, fez sempre parte da narrativa popular, pouco científica. São cada vez mais os cientistas que nos alertam para os perigos que enfrentamos a vários níveis. Várias universidades, de reconhecido mérito académico, produzem ciência que nos diz que, de facto, a este ritmo, o mundo pode acabar. Mas eu acho que a ideia de apocalipse é tão folclórica que poucos acreditam. Ou escolhem não acreditar.
Na Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, Luke Kemp, investigador no Centre for the Study of Existential Risk, estuda riscos catastróficos e existenciais, ou seja, aspectos que vão do colapso civilizacional aos cenários de crise climática extrema. No seu livro mais recente, Goliath’s Curse, afirma o seu pessimismo em relação ao mundo e optimismo em relação às pessoas, deixando exemplos de desigualdade, corrupção, degradação ambiental mas também de narcisismo, psicopatia e manipulação, propondo uma redefinição social. Perante as acusações de uma visão de esquerda, o argumento é simples: questiona que, se tivéssemos grupos de cidadãos a gerir as petrolíferas, e estes descobrissem o impacto que estas têm nos ecossistemas e no ambiente, será que esses cidadãos iriam esconder a informação e criar campanhas de desinformação? Explica, também, que a luta contra a corrupção não tem a ver com orientação política. Responsabilizar o poder e fazer pagar os danos sociais e ambientais é só tornar a economia honesta. Partidos à parte, parece-me fazer sentido, tal como fará sentido toda esta conjuntura contribuir para achatar a curva da felicidade.
A curva em U da felicidade mudou de forma e, agora, em muitos países, são os mais jovens os mais infelizes, sempre ansiosos, cansados e perdidos entre um leque de opções que, na maior parte dos países se traduz numa não-opção. O Global Flourishing Study diz-nos isso mesmo. É um estudo colaborativo entre diversas universidades e organizações científicas que, através de um painel longitudinal, de cinco anos, que acompanha cerca de 200 mil pessoas, em 22 países, procura medir o bem-estar e os seus determinantes, concluindo sobre níveis de felicidade. E não estamos felizes, falta-nos propósito e a angústia cresce, fruto do impacto das alterações sociais, económicas e da influência da tecnologia no quotidiano.
A superficialidade das relações modernas também é apontada como um aspecto que contribui para a sensação de solidão e isolamento social. A nível global, o dinheiro importa. Óbvio. São, contudo, os vínculos sociais, pessoais e profissionais, que nos fazem sentir bem. Motivação e propósito, e sentido no que fazemos, dão sentido à vida. Portanto, numa sociedade onde não há dinheiro e o que há, está terrivelmente mal distribuído, na qual o emprego é apenas trabalho e o trabalho escasseia, sem vislumbre de evolução profissional e com acumulação de tarefas em cada função, e de funções em cada pessoa, esperamos que as pessoas estejam bem? É também uma sociedade a ferro e fogo, que bombardeia informação e desinformação, a politica é mera politiquice de corredor e bastidores, a corrupção tem cauda longa e trela solta, a crise da habitação é também do ensino e educação, a saúde morre aos poucos e as instituições públicas, muitas delas, estão presas por fios que se vão partindo com a reforma da maior parte dos funcionários, sem substituição por falta de opção ou vontade em cumprir essa missão. É nessa sociedade que esperamos que exista bem-estar ou são demasiado óbvios os motivos que fundam uma (in)sustentável (in)felicidade?
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Insustentável (in)felicidade
Há uma data que, anualmente, marca discretamente o princípio do fim. O Earth Overshoot Day marcou o ponto de ruptura, expondo o descompasso entre o que exigimos da Terra e o que esta consegue repor.
Passado sustentável
O digital aproximou-nos e encurtou distâncias, mas ocupou o tempo morto e normalizou a comparação.
Insustentável silêncio
Na Europa, a cobertura mediática tende a diluir a emergência climática em notícias episódicas: uma onda de calor aqui, uma cheia ali, registando factos imediatos, sem aprofundar as causas, ou apresentar soluções.
Insustentável é: não querer saber
Um pedido simples a um modelo de IA tende a consumir mais eletricidade do que uma pesquisa no Google.
Insustentável displicência
O Estado português falha. Os sucessivos governos do país, falham (ainda) mais, numa constante abstração e desnorte, alicerçados em estratégias de efeito superficial, improvisando sem planear.
Edições do Dia
Boas leituras!