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Miguel Costa Matos
Miguel Costa Matos Economista e deputado do PS
10 de junho de 2025 às 07:00

Reformar o Estado: menos gordura ou menos músculo?

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É evidente que existem algumas "gorduras" no Estado. Alguns acreditam que é possível aspirá-las rapidamente para dar lugar a outras despesas ou a redução da receita.

Será que desta é que vai ser? Luís Montenegro, no seu discurso de tomada de posse, anunciou o que praticamente todos os seus antecessores já haviam declarado: uma "guerra à burocracia". Fê-lo para tentar justificar a criação de um novo Ministério da Reforma do Estado. Afinal, esse era o termo utilizado pela direita para significar um corte nas funções sociais, culturais ou ambientais do Estado. Sem mandato popular para isso e com a esquerda legitimamente a questionar, Montenegro fugiu para uma delimitação segura e "moderada" da expressão e missão do Ministério de Gonçalo Matias.

Feita a ressalva, não se percebe qual a diferença entre a "Reforma do Estado" e a "Modernização" Administrativa ou do Estado que já havia sido Ministério com Balseiro Lopes (2024-2025), Alexandra Leitão (2019-2022), Mariana Vieira da Silva (2019), Maria Manuel Leitão Marques (2015-2019) e até Rui Medeiros (no curto mês do XX Governo Constitucional). Na verdade, o último ano foi uma desilusão nesta matéria, com as grandes novidades a limitarem-se ao agrupamento de funcionalidades já disponíveis em novos sites e aplicações (gov.pt, ao invés do ePortugal e do id.gov.pt). Nem mesmo o famoso e bem-sucedido SIMPLEX voltou a sair da gaveta. Gaveta essa de onde o atendimento omnicanal não chegou a sair, com novas portarias a atrasar a sua adoção. Não admira que Montenegro tenha tirado esta pasta a Margarida Balseiro.

É pena, porque há uma missão comum à espera de concretização. O novo Ministro terá de fazer mais do que corrigir os erros e impasses da sua antecessora. Todos os partidos democráticos estão convocados para a missão de reestabelecer a relação de confiança entre o Estado e as pessoas, em particular as classes médias. Foi por isso que, com Pedro Nuno Santos, no programa eleitoral do PS, optámos por dar nova relevância e conteúdo a este tema, recusando "que a direita usurpe, com projetos privatizantes e amarras à gestão, a ideia necessária e justa de uma reforma do Estado". O candidato a líder do PS, José Luís Carneiro, também já afirmou a disponibilidade do partido mais votado da oposição para "consensos democráticos" sobre a "organização do Estado".

É importante não termos ilusões sobre o Estado que temos. Ele tem ineficiências – procedimentos arcaicos, estruturas anquilosadas, pessoas sem a qualificação e motivação devida para as funções em que trabalham. Todavia, a maior dificuldade do Estado não são as "gorduras". Pelo contrário, é a anorexia.

Em várias áreas, desde as escolas ao cuidado dos idosos, desde as polícias aos hospitais, sem esquecer o sistema de justiça e a ferrovia, o Estado não tem gente a mais – tem gente a menos. Em 2020, Portugal era mesmo o 5.º país da UE com menos funcionários públicos. Os problemas não param aí. Há edifícios onde chove lá dentro e falta de viaturas para cumprir os serviços. Na saúde e no social, agravam-se as listas de espera. No investimento, tudo se atrasa. Estamos aqui apenas a falar dos serviços que o Estado presta. Se nos falta o músculo para andar, onde pára a massa cinzenta para pensar, planear e avaliar?

É evidente que existem algumas "gorduras" no Estado. Alguns acreditam que é possível aspirá-las rapidamente para dar lugar a outras despesas ou a redução da receita. A IL, por exemplo, colocou no seu programa eleitoral uma estimativa de 3 mil milhões de euros em poupanças – não em cortes de funções mas em medidas de "eficiência administrativa".

Estas promessas não são novidade para ninguém. Em Portugal, temos já mais de 10 anos de experiência em "exercícios de revisão de despesa", frequentemente com apoio técnico internacional. Entre 2017 e 2023, as poupanças estimadas eram de 1.457 milhões mas faltam dados sobre a sua execução. De qualquer modo, estas poupanças representam uma média de 208 milhões ao ano ou 0,28% da despesa da Administração Central. O Tribunal de Contas já fez a sua avaliação.

Estes resultados podem ser dececionantes, mas não são uma exceção portuguesa. Estes exercícios são uma prática antiga, desde pelo menos a Grande Depressão dos anos 30, tendo tido edições igualmente imateriais com Reagan ou Thatcher. Mesmo o poderoso DOGE de Elon Musk poderá acabar por custar mais do que poupou. Numa das mais rigorosas "guerras à burocracia" e às "gorduras do Estado" conhecidas, o empresário Peter Gershon identificou, em 2004, 21,5 mil milhões de libras em potenciais poupanças ao contribuinte britânico. Anos depois, uma auditoria revelou que o exercício conseguiu arrecadar apenas 10,2 mil milhões aos cofres públicos, correspondendo à altura a cerca de 0,6% do PIB.

Devem estes resultados desmotivar-nos da procura por um Estado mais eficiente? Não. Mas devem ancorar as nossas expetativas e focar os nossos objetivos. Reformar o Estado significa que ele sirva melhor as pessoas e não (apenas) que saia mais barato. Nalguns casos, será inevitável gastar mais para apetrechar os serviços públicos dos recursos que precisam para funcionar – recursos humanos, técnicos, tecnológicos e outros. Não bastará, porém, atirar dinheiro aos problemas. É necessário repensar tudo: desde a gestão às carreiras, desde a digitalização à humanização.

A Gonçalo Matias não faltarão condições de consenso político para reformar. Ainda resta também algum do excedente que António Costa deixou para se tomarem opções e investimentos fundamentais. Por saber está se nos ficaremos por mais anorexia, mais medidas de cosmética (como no último ano) ou por muscular o Estado de verdade.

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