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Margarida Reis Secretária-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
12.09.2025

Justiça fiscal em debate

A introdução da obrigatoriedade de uma reclamação administrativa prévia (gratuita) como condição de acesso ao tribunal surge como uma solução a ponderar, com provas dadas em países como a França e a Alemanha.

A excessiva pendência de processos nos tribunais tributários portugueses constitui hoje um dos maiores obstáculos à eficácia da justiça fiscal. A acumulação de litígios sobrecarrega o sistema judicial e atrasa a decisão de matérias que efetivamente exigem apreciação jurisdicional. 

Neste contexto, a introdução da obrigatoriedade de uma reclamação administrativa prévia (gratuita) como condição de acesso ao tribunal surge como uma solução a ponderar, com provas dadas em países como a França e a Alemanha. 

Em França, a Direção-Geral das Finanças Públicas assinala que, em 2023, deram entrada cerca de 2,85 milhões de pedidos administrativos. Este número integra tanto as reclamações obrigatórias, que o contribuinte tem de apresentar antes de poder recorrer ao tribunal, como os pedidos graciosos, em que se solicita à administração um ato de clemência ou de flexibilização, como a redução de uma coima ou a concessão de prazos de pagamento. No mesmo período, foram instauradas aproximadamente 10 mil ações judiciais em matéria fiscal, o que corresponde a apenas cerca de 0,35% do total de pedidos administrativos. Estes números revelam que apenas uma fração mínima dos litígios prosseguiu para tribunal, sendo a quase totalidade resolvida na fase administrativa. 

Na Alemanha, os dados oficiais confirmam igualmente a relevância do recurso administrativo. Em 2023, apenas cerca de 1% das reclamações graciosas originou uma ação judicial e só aproximadamente 12% exigiu uma decisão formal por parte da administração. A maioria dos casos foi resolvida ou porque a administração reconheceu a posição do contribuinte e corrigiu a decisão inicial, ou porque o contribuinte acabou por retirar o pedido, normalmente após terem sido prestados esclarecimentos adicionais ou apresentados documentos em falta. Acresce ainda que a lei alemã permite ao contribuinte solicitar uma reunião com a administração fiscal, momento que frequentemente facilita o diálogo e conduz a soluções equilibradas, dispensando a intervenção dos tribunais. 

Nestes países, a exigência de recurso prévio obrigatório à reclamação administrativa assenta no pressuposto, aceite com naturalidade, de que, sendo o direito fiscal um direito de casos em massa, é inevitável que ocorram erros por parte da Administração fiscal. Assim, esta imposição cumpre não apenas a função de aliviar os tribunais fiscais — atuando como filtro no respetivo acesso, com eficácia confirmada pelas estatísticas —, mas também a de promover a autoanálise e aperfeiçoamento da própria Administração. 

Portugal partilha com França e Alemanha uma matriz cultural e jurídica próxima. Além disso, dispõe de uma administração fiscal moderna, com meios digitais avançados e canais de comunicação direta eficazes, que bastaria dotar dos recursos humanos necessários para concretizar a medida. 

As vantagens desta solução são claras, tendo o potencial para reduzir de forma significativa o número de processos em tribunal, diminuiria custos para todas as partes e reforçaria a perceção de justiça fiscal. Ao mesmo tempo, libertaria os tribunais para se concentrarem nos casos mais complexos e estruturantes, promovendo um funcionamento mais célere e consistente da justiça. 

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