A vitória da direita é uma prova de vida para o PSD
Se terminar a legislatura, o PSD será o partido com maior tempo do governo em Portugal. Estará à altura deste desafio?
Mesmo à espera dos resultados dos círculos de emigração, há uma questão que se lança: irá Montenegro cumprir a promessa eleitoral de não se coligar com o Chega? Não só espero que sim, como espero que toda a Aliança Democrática (AD) e a direita democrática (que inclui também a Iniciativa Liberal) entenda o seu papel fundamental na democracia portuguesa. É importante assinalar que um dos fatores que contribuíram para o aumento dos votos na AD foi esta 'linha vermelha' claramente estabelecida com os partidos não democráticos, algo ausente nas últimas eleições, que resultou numa maioria absoluta para o Partido Socialista (PS).
É importante salientar que nos 50 anos de regime democrático em Portugal, o PSD esteve no poder 22 anos. Após meio século, é convocado não apenas a preservar, mas também a revitalizar o regime de Abril. Se terminar a legislatura, o PSD será o partido com maior tempo do governo em Portugal. Estará à altura deste desafio?
Pela primeira vez, assistimos a um partido com representação no parlamento a lançar desconfiança sobre o sistema eleitoral português, importando (sem originalidade nenhuma) as teorias de conspiração estrangeiras. Vimos não só nos EUA, mas também no Brasil, o que este tipo de suspeitas cria: um assalto popular às instituições democráticas. Um verdadeiro democrata, fiel ao sistema parlamentar, não pode apoiar um partido que fomenta ideias antidemocráticas. Esta aliança a um partido não democrático seria um erro sem precedentes, visto que, além de ser uma traição aos seus princípios, estaria a alienar eleitorado do centro e progressista que lhe deu o benefício de dúvida nestas eleições. O PSD pode demonstrar que está à altura de ideias democráticas porque efetivamente as têm. Um exemplo é aatitude exemplar de Rui Vilar, parlamentar do PSD, que publicamente condenou declarações xenófobas feitas por uma deputada do Chega.
É importante referir que o PS está obrigado a refletir sobre o que correu mal. Apesar de vencer as últimas eleições com maioria absoluta, não conseguiu terminar a legislatura. É essencial perceber o que fez com que não conseguisse cumprir a sua maior mensagem nas últimas eleições: a estabilidade. Tem também a obrigação de refletir sobre o que é ser um partido de poder e não permitir que esse mesmo poder corrompa a sua matriz. Por último, um partido que tem como o seu maior apoio eleitoral os reformados não pode ter futuro se não se rejuvenescer com soluções para as novas gerações deste país.
Contudo, a importância do regime democrático transcende os resultados eleitorais desta noite e é crucial aproveitar o entusiasmo para refletir sobre o funcionamento do mesmo.
A criação de um círculo de compensação é obrigatória. Esta proposta não constitui uma novidade a nível nacional, uma vez que já é uma prática nos Açores. Os partidos dominantes da democracia portuguesa não apresentam argumentos senão o apelo ao voto útil. É preciso acabar com os cidadãos de segunda, que não votam em grandes centros urbanos, e cujas preferências eleitorais não encontram representação no parlamento. Isto sim é também reduzir as diferenças do litoral para o interior de Portugal.
Em segundo lugar, houve inúmeros relatos de emigrantes que não receberam o seu boletim de voto.Como aqui já escrevi, o parlamento eleito não se deve perder em grupos de trabalho, mas sim encontrar maneiras de tornar mais fácil o voto emigrante e garantir que isto não volta a acontecer.
Em terceiro lugar, os debates tornaram-se geradores de audiência para as televisões, afastando-se do seu papel essencial de fomento do debate democrático. Discussões vitais sobre política externa, defesa e educação foram negligenciadas, dando lugar a uma espetacularização incessante, assemelhando-se mais a uma luta de boxe do que a uma Acrópole de Atenas. Os jornalistas que moderaram os debates, com a notável exceção de Carlos Daniel, devem reconsiderar a maneira como o fazem. Além disso, as televisões têm de criar um ambiente em que as interrupções não sejam permitidas - e até encorajadas - nem que seja necessário recorrer à desconexão dos microfones. As interrupções prejudicam seriamente o debate democrático, que pressupõe uma escuta ativa das ideias opostas, e cultivam um ambiente de só se ouvir
quem fala mais alto.
Voltando à noite eleitoral e, para terminar, a vitória da direita marca um momento decisivo para o PSD. Se não der a mão ao Chega, abre-se a porta a duas opções: ou o PS, que deve demonstraruma atitude democrática (e a justificação fica para um próximo artigo), se abstém da votação do programa de governo, permitindo um governo minoritário da AD; ou vamos a novas eleições brevemente. Em ambos os cenários o PSD sai reforçado. No primeiro, tem hipótese de mostrar trabalho e estar mais forte nas próximas eleições. No segundo, cumpriu a palavra - e em Portugal, historicamente, governos minoritários derrubados reforçam votações (primeira maioria absoluta de Cavaco Silva ou maioria absoluta de António Costa).
A postura do PSD não definirá apenas o futuro político de Portugal, mas também a sua sobrevivência como o maior partido da direita em Portugal. Reafirmar o seu compromisso com os princípios democráticos do regime que ajudou a fundar apresenta-se como a única solução. Esperemos que Montenegro esteja com Abril.
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