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João Paulo Batalha
11.09.2025

Vamos sempre amar-te, Roman

Abramovich perdeu na Justiça europeia. Mas num Portugal servil e submisso terá sempre porto seguro.

É uma derrota em toda a linha. Numa , o Tribunal Geral do Tribunal de Justiça da União Europeia negou um recurso apresentado por Roman Abramovich, que contestava a sua inclusão, em 2022, na lista de pessoas sancionadas pela União Europeia, por causa das suas relações próximas com o Presidente Putin e o regime cleptocrático russo. Abramovich, o mais conhecido e mediático dos oligarcas russos, queria ver revertida a decisão da UE que, logo depois da invasão da Ucrânia, o nomeou como um dos pilares de suporte do regime russo e mandou congelar os seus bens na União Europeia, além de limitar a sua capacidade de viajar para a Europa.

O Tribunal deu como provadas as ligações estreitas de Abramovich a Putin e ao sistema de roubo organizado em que assenta todo o poder do Estado na Rússia. Face a isso, concluiu que as medidas restritivas adotadas contra o oligarca “são necessárias e adequadas e, por conseguinte, não violam o princípio da proporcionalidade”. Negado foi também um pedido de indemnização de um milhão de euros que Abramovich tinha feito contra o Conselho Europeu, por colocá-lo na lista negra.

Com esta decisão, um dos principais beneficiários do poder de rapina do regime russo, amigo do Presidente Putin e oligarca com interesses empresariais e financeiros que alimentam a máquina de guerra do Kremlin vê confirmadas as sanções que lhe foram aplicadas desde 2022, poucos dias depois da invasão da Ucrânia pelas tropas russas. Fica validado o congelamento dos bens que detém na União Europeia e as restrições à sua capacidade de viajar para os países da UE. Roman Abramovich e o seu dinheiro sujo não são bem-vindos na Europa.

Vitória vitória, acabou-se a história? Nem por isso. É que Roman Abramovich é nosso compatriota, cidadão português desde 2021, naturalizado ao abrigo da lei dos sefarditas. O príncipe dos oligarcas é afinal uma minoria oprimida, descendente dos judeus portugueses expulsos pelo Rei D. Manuel I. Proclama-o um papel passado pelo rabino de Moscovo (outro amigo próximo dele e de Putin), que foi depois carimbado pela Comunidade Israelita do Porto e aceite sem fazer perguntas pelas autoridades portuguesas, que em tempo recorde (e depois de algum lobbying junto de Pedro Siza Vieira, então ministro da Economia) lhe entregaram o passaporte português. A vitória de ontem valida as sanções impostas pelo Conselho Europeu, hoje presidido por António Costa – o mesmo António Costa cujo Governo tratou de naturalizar Abramovich, com uma rapidez e eficiência invejáveis em Portugal.

O significado disto é simples, e embaraçoso. Mesmo impedido de viajar na União Europeia, o cidadão português Roman Abramovich mantém o direito de vir, estar e permanecer em Portugal. Somos o porto seguro do oligarca. Isto apesar de a sua naturalização tresandar a cambalacho desde a primeira hora. Aliás, corre desde 2022 uma investigação criminal à sua naturalização, sem qualquer avanço conhecido. Em paralelo, foi instaurado um inquérito interno no Instituto dos Registos e Notariado ainda em dezembro de 2021 que, logo em janeiro seguinte, se tornou num inquérito disciplinar. Também aqui, três anos passados, nada se sabe destas diligências. O nosso compatriota continua com o seu passaporte, as suspeitas continuam a pairar, a impunidade reina.

A simpatia do Estado português não é limitada a este nosso concidadão. Desde o início da guerra na Ucrânia, Portugal não fez qualquer esforço para aplicar as sanções decididas pela União Europeia. Nunca foi publicado qualquer relatório sobre a natureza e montante dos bens identificados e congelados e, tanto quanto sei, ninguém (no Parlamento, por exemplo) alguma vez perguntou o que foi feito. Uma recomendação feita a António Costa logo em março de 2022 para que fosse criada uma task-force dedicada a identificar e congelar ativos foi olimpicamente ignorada, até hoje. Em dezembro de 2023, depois de alguma insistência, o Ministério dos Negócios Estrangeiros lá se dignou responder que Portugal tem “um sistema de execução automática das medidas restritivas”, que obriga cidadãos e entidades obrigadas a congelar os ativos que detetem. Se ninguém “detetar” nada, o Estado também não vai procurar. O resultado, previsível, é uma nebulosa total sobre a aplicação das sanções. Os oligarcas russos dormem descansados em Portugal.

Não é uma vitória judicial, que o Tribunal de Justiça da União Europeia agora lhe negou, mas sempre é um consolo: Roman, querido compatriota, serás sempre bem-vindo em Portugal, onde um poder obsequioso com a lavagem de dinheiro sujo e a venda de passaportes te assegurará sempre um porto seguro e guardará em recato bens e património (sobretudo se minimamente dissimulados). Averiguações e inquéritos-crime arrastam-se no silêncio cúmplice das gavetas poeirentas onde se escondem os podres da República; e a vida continua. Viva Portugal.

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