
O Larápio andou arrumado de pouca saúde. Volta agora às lides costumeiras.
Pois que desagradável é passear com namoradas de mini-saia e ver pela rua os olhos drogados como lupas a registar-lhes os pormenores da pele! Esse querer à distância é também desprezo pela mulher, uma objectificação atrasada de que nos vamos inteirando na adolescência, educados e clarificados pelas feministas francesas valentes, dos anos 40! Gente visionária. Será? De que são valentes não duvide ninguém, porque herdaram um mundo de intelectuais apavorados com o fim da mulher verdadeira (Eça, por exemplo), e empurraram-nos para a lógica da igualdade.
A igualdade entre sexos, no fim dos anos 40 na Europa, era uma inovação prestes a massificar-se. Que grande salto. Salto de sapo. De gafanhoto! Mas em 1497, quando Vasco da Gama chegava à costa de Moçambique com a tripulação prestes a fincar pé na praia (com a melhor das intenções, amores), já há muito se tinha instalado, para norte, o povo Macua.
Quem me lê estranha. "Ma-quem?" Parece-me que a generalidade dos Portugueses sabem menos de Moçambique que de Vodovatovo. O povo Macua é uma sociedade matriarcal do norte de Moçambique, em que as mulheres também têm lugares chave, pegam na massa, ordenam e tomam decisões por outros. Salazar protesta muito. "Oiça Senhor Doutor", diz o Larápio. Salazar entrelaça os dedos. Muito bem. Há aqui algo que não bate certo. Ora se os Macuas já estavam avançados relativamente aos direitos das mulheres nos anos 40, que dizer de 1497 quando Vasco da Gama desembarcou na costa de Moçambique mais os seus moços? Nessa altura as mulheres já lá mandavam também. Ui. Será a imagem desses anjos salvadores e tecnologicamente sagrados a embarcar numa praia guardada por selvagens uma boa pincelada? Se falamos de direitos de mulheres, bem pelo contrário. Na terra de Vasco da Gama em 1497, as mulheres tinham a importância de um bouquet de flores murchas, e tinham de esperar mais uns séculos até irem à escola. Ou como diz o povo, "a mulher casada o marido lhe basta". Um senhor ri lá do canto. "Haha. Será mesmo? Um povo negro mais avançado em relação a algo neste mundo?" O Larápio afia as unhas. Não só mais avançado, era mais que isso: mais avançado meio milénio, e o relógio está a contar. Em 1497 Vasco da Gama era um macaco a invadir o palácio de Versailles! Porquê? Em terra estava um povo que há séculos tinha a igualdade de género (com ascendente feminino) no meio de milhares de outras tribos patriarcais. Gloriosos vindos do mar, uma tropa branca, católica e engenhosa, mas que 519 anos depois ainda estaria longe de o atingir (embora sem ter de tolerar invasões escravizadoras). Chamar a isto diferença é de uma simpatia de Júlio Isidro. É antes o que se chamaria a uma volta de avanço numa corrida de 800 metros.
Descanse, leitor(a), o Larápio não faz aqui um exercício de supremacia. Já nos chega disso. Antes e muito mais interessante é saber como foi retratado esse avanço do negro em relação ao colono educador. É ou não uma pergunta pertinente? Se o argumento para colonizar é o de que se vai para instruir e civilizar, o que dizer quando os outros, ao chegar, são mais civilizados do que nós em determinado aspecto que seja? Desiste-se? Copiamo-los? Jogamos às cartas? O Larápio sugere: fingimos que não vemos nada! O senhor do canto grita: "Não se vê nada!" "Está escuro." As inovações e méritos, para o serem, têm de ser reconhecidos. Mas para tal, é preciso haver quem tenha coragem, arte, conhecimento ou vontade de os reconhecer. Os Macuas foram sempre julgados como só mais uma tribo indígena, independentemente do resto. As suas características sempre foram avaliadas de dentro do contexto exótico e castrador da etnografia e não individualmente e de forma objectiva como foi o Surrealismo, o Racionalismo, o Abolicionismo ou...o feminismo Europeu dos anos 40. No contexto do selvagem não há vanguardismo que resista. Um selvagem melhor desportista é sempre um selvagem (verdade, Jesse Owens?), um selvagem que dança melhor é ainda mais selvagem (tranquem as mulheres em casa!), um selvagem bom escritor só o é porque tem "uma prosa fácil", um selvagem é burro porque é selvagem, um branco é burro porque é burro, uma sociedade mais igualitária em determinado aspecto, se for selvagem, é igualitária por coincidência, nunca por consequência de uma consciência de evolução colectiva. Ah, que feio este texto. Que desagradável. O Larápio, sendo rapaz de boa colheita, está tão ácido. Que se passa?
Já me esquecia: Foi, claro, na década de 1940 que começou o feminismo moderno, com a narrativa brilhante de Simone de Beauvoir, que aliás trouxe ao mundo o discurso que até hoje inspira milhares de mulheres pelo mundo todo.
Até p´rá semana.
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