Retrato de um país parado no tempo
Os agricultores saíram à rua porque também a eles o 25 de Abril deu direito a manifestar-se por melhores condições de vida. Voltemos aos mercados e à preferência dos produtos locais, apoiemos a nossa economia e valorizemos a nossa segurança alimentar.
Os agricultores saíram à rua. Depois de meses a fio em que ativistas bloquearam estradas em protesto pela crise climática, chegou a hora de revolta por parte de quem está na linha da frente a enfrentar esta crise.
Em todo o continente europeu, têm-se assistido a bloqueios de estradas e protestos. Estes bloqueios têm sido levados a cabo pelos agricultores, que reivindicam políticas injustas e melhores condições para o desenvolvimento da sua atividade. Nos diferentes países, as reivindicações diferem tendo em conta a realidade nacional de cada um. No caso português, a revolta internacional foi o gatilho perfeito para se manifestarem relativamente a uma série de problemas que há muito prejudicavam estes trabalhadores. O mais recente, foi o atraso no pagamento dos apoios a que tinham direito e cortes que foram aplicados ao Plano Estratégico da Política Agrícola Comum.
Este setor, tem vindo a enfrentar múltiplas crises que vão muito além da inflação que todos sofremos. A seca, o aumento dos combustíveis e os incêndios florestais são alguns dos fatores que impactam diretamente nos custos de produção. Estes custos, por sua vez, têm sufocado o trabalho dos agricultores nos últimos anos.
Apesar de Portugal ser um país historicamente agrícola, há muito que este setor foi esquecido. Num país onde o obscurantismo salazarista traumatizou a população com a imposição da autossuficiência e a manutenção do mundo rural, a democracia concentrou-se em formar engenheiros e doutores para viver nas grandes cidades. A prova disso é a perda de quase um milhão de agricultores desde a década de 80, acentuada pelo êxodo rural e pelo abandono das zonas agrícolas do país. Assim, esta atividade tem vindo a tornar-se pouco atrativa e o cenário agrava-se perante as poucas perspetivas de emprego digno.
Enquanto que a tecnologia e a digitalização assolam Portugal ao nível da indústria, a agricultura parece ter ficado esquecida. Falta disrupçãoe inovação nas práticas agrícolas, capazes de acompanhar os desafios do século XXI. Sendo as alterações climáticas um risco iminente que afeta diretamente a produção, são necessárias respostas resilientes para evitar reduzir ao máximo os danos das crises que se tornarão inevitáveis. Para além disso, a agricultura regenerativa, biológica e outras novas práticas agrícolas podem ter um papel central na soberania alimentar do país, tornando a agricultura menos suscetível a choques ou imprevisibilidades ao mesmo tempo que se mitiga os efeitos do aquecimento global.
Mas esta modernização não pode ser realizada apenas com diretivas europeias vagas que somos obrigados a aplicar, esquecendo as especificidades do país em questão. É necessário uma mudança estrutural na maneira como pensamos na agricultura nacional a longo prazo e em medidas impermeáveis aos interesses das grandes cadeias de distribuição.
É inequívoco que a modernização das práticas agrícolas se torna difícil quando a média de idade dos agricultores é de 65 anos. Há uma natural resistência à mudança por pessoas que trabalharam a terra da mesma maneira durante a sua vida inteira. A situação torna-se ainda mais complexa pelo facto de 80% das produções serem de caráter familiar.
Assim, torna-se indispensável atrair sangue novo que queira reconectar-se com a terra e procurar novas maneiras de produzir com maior qualidade e menor esforço, apostando na investigação e na formação técnica. Ao mesmo tempo é crucial facilitar o acesso a terrenos para produção e dar apoios adequados aos pequenos e médios agricultores, situação essa que está longe de corresponder à realidade atual. Só assim é possível garantir justiça climática àqueles que são desproporcionalmente afetados pelos efeitos do aquecimento global e vêm o desenvolvimento da sua atividade comprometido.
Os agricultores saíram à rua porque também a eles o 25 de Abril deu direito a manifestar-se por melhores condições de vida. Voltemos aos mercados e à preferência dos produtos locais, apoiemos a nossa economia e valorizemos a nossa segurança alimentar. Desabrochemos as sementes que os cravos de abril deixaram para podermos reverter a situação deste setor, que se tornou o perfeito retrato de um país parado no tempo.
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