Sábado – Pense por si

Eurico Reis
Eurico Reis Juiz Desembargador Jubilado
10 de agosto de 2025 às 10:10

Os despojos de Abril - A AD de Luís Montenegro está a seguir à risca a cartilha do neo-fascista Steve Bannon

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Edição de 5 a 11 de agosto

Agora existem os neo-fascistas. E Steve Bannon é um deles. E a sua influência global é enorme. E em Portugal os seus discípulos não se encontram apenas no Chega.

Num anterior destes meus textos (ainda na série “Os Ventos de Oeste”) expus a ideia - que é a que corresponde a uma muito profunda convicção minha, fruto de uma séria análise da História do Mundo Ocidental e da sua Cultura – que os fascismos, como todas as coisas que existem no Universo, mudam e evoluem.

Aliás, como então igualmente referi, os fascismos, quando surgiram e se desenvolveram, nas décadas de 20, 30 e 40 do século XX do 2º milénio, tinham uma componente nacionalista muito forte, o que determinou que os pensamentos e os actos dos defensores dessa ideologia, embora na sua essência fossem os mesmos, assumissem características específicas consoante o país em que se implantaram.

Insisto, existiu um fascismo italiano (o primeiro de todos a surgir em termos temporais), um fascismo português, um fascismo espanhol, um fascismo francês, um fascismo inglês, um fascismo dos EUA, um fascismo húngaro, todos eles diferentes uns dos outros, e houve o pior deles todos – o alemão, ou seja, o nazismo – que desceu a patamares de crueldade e desumanidade que os outros não alcançaram.

Em comum, têm todos eles a concepção de que existem elites de seres superiores e que existem outros seres humanos que são inferiores e não merecem ser tratados como pessoas (e, em última análise, que é legítimo não apenas escravizá-los e privá-los de quaisquer direitos, mas também exterminá-los), o ódio à democracia representativa e ao sufrágio universal, geral e irrestrito, ao Estado de Direito e à noção de limitação de poderes – os ditos freios e contrapesos – que lhe é inerente, sendo, pelo contrário, adeptos da ditadura e do poder pessoal irrestrito do Chefe.

Contudo, as terríveis e catastróficas consequências provocadas pela Segunda Guerra Mundial tornaram impossível a subsistência dessas formas, mais ou menos primárias, de fascismo.

Todavia, porque esses princípios ideológicos, tal como as forças económico-sociais que à sua sombra prosperaram e frutificaram, não foram erradicadas, houve que operar as necessárias modificações, que são sobretudo na forma como esses valores e propósitos e as organizações que os defendem e propõem se apresentam perante a Comunidade.

Mas a essência é a mesma e os alvos do seu ódio e das suas perseguições apenas se alargaram.

E é por isso que agora existem os neo-fascistas. E Steve Bannon é um deles. E a sua influência global é enorme. E em Portugal os seus discípulos não se encontram apenas no Chega.

Sendo que os impropérios vomitados por André Ventura e os seus e as suas comparsas foram o que já se esperava, o que, a meu ver, as reacções dos membros da AD à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional por referência à ignominiosa Lei que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, aprovada pela Assembleia da República em 16 de julho de 2025 (vulgo Lei da Imigração) demonstram é que o PSD de Luís Montenegro e o seu apêndice CDS/PP não estão reféns do Chega, mas sim que se tornaram também eles seguidores da cartilha neo-fascista de Steve Bannon.

Para usar uma expressão popular, Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa devem estar às voltas nas suas respectivas sepulturas. E de Snu Abecassis nem se fala.

E, sendo inegável que, excepto nas Regiões Autónomas (Madeira e Açores), o CDS/PP deixou de existir, pergunto-me como estarão algumas pessoas do PSD a assistir a esta perigosíssima evolução de um partido que se quis centrista e moderado, com alguma inspiração social-democrata (ainda que da ala direita deste movimento).

A que ponto chegámos. E a que ponto chegou este país.

Voltando a Steve Bannon, uma das suas frases mais famosas é a seguinte (e vou escrevê-la em inglês não apenas porque foi nessa língua que ela foi escrita, como também para não ferir susceptibilidades que a crueza dos termos da sua tradução para português muito provavelmente acarretaria): flood the zone with shit.

Ora o que o governo chefiado por Luís Montenegro tem feito desde que tomou posse é surpreender-nos quase todos os dias com afirmações e propostas totalmente indecorosas e miseráveis, inundando desse modo o espaço político-mediático nacional.

A relativa aos pretensos (e afinal não demonstrados e, portanto, inexistentes) abusos do direito das mulheres mães a amamentar os seus filhos e filhas é tão ostensivamente ignóbil que até o Chega dela se demarcou.

E com isso está a conseguir distrair os portugueses e as portuguesas dos enormes falhanços da sua governação e a impedir que se discutam problemas tão graves como o contínuo deslizar que está a empurrar o Mundo para uma nova Guerra Mundial apenas porque isso serve os propósitos da Administração Trump e dos interesses e poderes que a suportam.

Uma vez mais querem impor aos Povos do Planeta a condição, que gerações anteriores já tiveram de suportar, de carne para canhão.

E é para mim espantoso como os actuais dirigentes de povos com milénios de História (que remontam a tempos bem anteriores ao nascimento do Ungido – Cristo significa isso em grego) se curvam e rastejam, subservientes, aos caprichos de um tiranete que, ainda por cima, se gaba ostensivamente de que os líderes dos países da NATO fazem tudo o que ele quer. E o pior é que essa gente faz mesmo o que ele diz e o que ele quer.

Todavia, a verdade é que essas indecorosas, miseráveis e ignóbeis afirmações e propostas proferidas e apresentadas pelo governo da AD têm mesmo de ser combatidas exactamente porque são indecorosas, miseráveis e ignóbeis e da sua concretização no quotidiano dos nossos dias resultarão danos graves a princípios e práticas fundamentais que constituem o âmago - o núcleo central - da Civilização/Cultura Ocidental, que é aquele que se desenvolveu, muito com base nos ensinamentos atribuídos ao judeu sefardita Yeshua ben David (o Ungido – ou Cristo ou Messias, consoante a língua usada para o qualificar), a partir da ideia de liberdade individual, de fraternidade e solidariedade humana, e de respeito pela dignidade de todos os seres humanos.

Como por muitos foi proclamado – mas isso é igualmente bem expresso na Bíblia (Mateus 10:36-37) - “Os piores inimigos de um homem estarão justamente dentro da sua própria casa”.

Ou seja, mais do que o neo-fascismo que o radicalismo islâmico também representa (também eles consideram que há seres superiores que têm o direito de subjugar e destruir os infra-humanos que lhes são inferiores, também eles odeiam a Democracia, o Estado de Direito, os direitos humanos, a dignidade de todos os seres humanos e as liberdades individuais, e defendem as ditaduras e o poder ilimitado e irrestrito dos Chefes, com o gravame de não existir uma qualquer separação entre o Estado e a Igreja), o que está a destruir a Civilização/Cultura Ocidental, como já aconteceu no passado, são os inimigos internos agrupados nas organizações de extrema-direita e nos partidos de Direita que estão progressivamente a abandonar os seus compromissos para com o respeito e a

consagração dos valores éticos e sociais que dão consistência e estruturam à nossa Civilização e à nossa Cultura.

Mas, como podem as reacções dos membros da AD à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal Constitucional por referência à ignominiosa Lei da Imigração) demonstrar é que o PSD de Luís Montenegro e o seu apêndice CDS/PP não estão reféns do Chega, mas sim que se tornaram também eles seguidores da cartilha neo-fascista de Steve Bannon?

Em primeiro lugar, aquela Lei era tão grosseiramente inconstitucional que o que é espantoso é que haja pessoas que ocupam o lugar de juízes do Tribunal Constitucional que tenham votado a favor da constitucionalidade desse diploma legislativo.

Efectivamente, juristas conceituados, à Esquerda e à Direita, concordaram que aquele texto violava ostensivamente várias normas da Constituição da República.

E, que eu saiba, o constitucionalista Jorge Miranda não é, como eu sou considerado nesses círculos, um perigoso esquerdista. E ele disse o mesmo que eu disse e escrevi (e escrevo).

É espantosa (mas para mim não é surpreendente porque conheço muito bem como funciona o sistema judiciário, do qual o Tribunal Constitucional também faz parte) a argumentação desenvolvida pelo vice-presidente daquele tribunal e que é acompanhada por quem subscreveu o voto de vencido por ele também assinado). A maioria emitiu uma opinião.

Então e eles fizeram o quê? O que escreveram vem diretamente da boca dos deuses?

Não, o que essas pessoas defendem é uma posição política muito clara de desvalorização da instituição de que são membros.

Há quem defenda que existe uma ciência jurídica.

Eu não sou uma dessas pessoas (repito, não sou). O Direito não é uma ciência, é uma relação social e política.

Mas obedece a regras bem claras – a chamada técnica jurídica.

Em Direito não vale tudo. Isto não é, de todo, à vontade do freguês, e se hoje existe essa percepção por parte da maior parte dos membros da Comunidade isso apenas significa quão degradado está o sistema judicial e o sistema judiciário.

E uma das mais importantes e fundamentais dessas regras é a que se reporta à enumeração, muito rigorosa, de como têm de ser interpretadas as normas jurídicas. Todas as normas jurídicas, incluindo as inscritas na Constituição da República.

Essa regra (de facto, um conjunto de regras) está inscrita no artigo 9º do Código Civil que está em vigor, ininterruptamente, desde o dia 1 de junho de 1967, à excepção do disposto nos artigos 1841º a 1850º, que começaram a vigorar somente em 1 de janeiro de 1968.

E a posição expressa, por maioria, pelo Tribunal Constitucional traduz a aplicação desses princípios e regras que todos os juristas têm a obrigação de conhecer.

Mas se assim é - e é mesmo - como se explica esse desprezo por princípios elementares do Direito oriundo (ora aí está) de “gente da casa”?

A razão é dolorosamente clara, a saber: se a corporação dos juízes é má e a dos procuradores do Ministério Publico é péssima, a dos professores universitários é ainda pior.

O que se passa no interior das faculdades de Direito é assombroso e escapa totalmente ao escrutínio da Comunidade (e muito particularmente da Comunicação Social) e das instituições do Estado.

Até quando essa situação de total opacidade e completa impunidade irá perdurar, não sei. Mas não se admirem com as consequências que daí resultarem (e já estão a resultar).

Para já, o que as reacções das pessoas da AD, incluindo os aludidos juízes do Tribunal Constitucional, antecipam é a construção (que irá ser martelada sistemática e incansavelmente através dos habituais meios de desinformação e manipulação) da ideia de que estas forças de bloqueio estão a impedir o governo de governar, prejudicando o país e que tudo se resolverá quando “as pessoas certas” forem nomeadas para os cargos de juízes daquele Tribunal, para que, em vez de gente que emite opiniões, passem a ocupar esses cargos aqueles que acham que a legitimidade resultante de uma concreta eleição parlamentar permite a esses eleitos governar como lhes apetece e dá na real gana.

Será que esta gente nunca ouviu falar (e não sabe o significado) do conceito “freios e contrapesos”?

Se isso não for impedido, estarão a ser dados os primeiros passos para uma nova ditadura. Olhem os EUA de Donald Trump.

E, de igual modo, o que estas reações antecipam é a “legitimação” de uma revisão constitucional “à maneira” – à maneira dos ditadores, digo eu.

Cuidem-se. E, acima de tudo, façam tudo o que puderem para evitar a concretização desse plano, pérfido e maléfico.

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