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Cátia Moreira de Carvalho Investigadora
24.01.2024

Serão os Houthis uma ameaça global?

Os Houthis não teriam a capacidade de operar a este nível sem o fornecimento de armas, treino e inteligência vindos do Irão e do Hezbollah, seus parceiros na chamada Aliança da Resistência.

A 14 de novembro de 2023, o General Yahya Sarea, porta-voz militar dos Houthis, emitiu uma declaração acompanhada por uma imagem de um navio israelita em chamas, prometendo "afundar os vossos navios". Cinco dias depois, imagens de propaganda filmadas pelos sequestradores Houthis exibiam os insurgentes fortemente armados, a descer de um helicóptero para assumir o controlo do Galaxy Leader, um navio de carga associado a uma empresa israelita, que tinha mais de 20 tripulantes. A 9 de dezembro, outra declaração dos Houthis ampliou a ameaça para abranger "navios de qualquer nacionalidade a caminho da entidade sionista". Atualmente, a ameaça estende-se a todo o transporte marítimo naquela região, com mais de 100 drones e mísseis lançados, afetando navios vinculados a mais de 50 países.

Os Houthis são um grupo armado iemenita alinhado com o Irão e alegam que os seus ataques são uma resposta à guerra de Israel em Gaza e à inação da comunidade internacional. Embora este grupo tenha surgido na década de 1990, ganhou destaque em 2014 ao rebelar-se contra o governo iemenita, resultando na sua renúncia e desencadeando uma grave crise humanitária. Desde então, os Houthis têm desempenhado um papel ativo na guerra civil iemenita, lutando contra uma coligação militar liderada pela Arábia Saudita. E agora também enfrentam uma coligação liderada pelos Estados Unidos.

Em resposta aos ataques ao transporte marítimo internacional, a administração Biden formou uma task force naval para tentar contê-los. Essa task force envolve esforços dos Estados Unidos, do Reino Unido e de outros aliados. O Bahrain é o único país do Médio Oriente que concordou em participar, enquanto outros, embora afetados pelos ataques dos Houthis, mostram mais cautela devido à aliança dos Estados Unidos com Israel. Segundo Antony Blinken, a missão da task force é patrulhar o Mar Vermelho para "preservar a liberdade de navegação" e "liberdade de transporte marítimo". Apesar de alguns mísseis e drones rebeldes terem sido intercetados, os Houthis prometem uma resposta, levando alguns a questionar se o Ocidente caiu numa armadilha.

Isto porque, os Houthis não teriam a capacidade de operar a este nível sem o fornecimento de armas, treino e inteligência vindos do Irão e do Hezbollah, seus parceiros na chamada Aliança da Resistência. Ao longo de nove anos de guerra civil, a influência iraniana no Iémen expandiu-se consideravelmente. O conflito conseguiu enredar a Arábia Saudita numa guerra cara, complexa e sem perspetivas de vitória. Isso causou danos consideráveis aos sauditas, aproximando cada vez mais os Houthis do Irão. E, portanto, existe o receio que esta task force possa conduzir os países ocidentais para um guerra por procuração com o Irão, numa região já afetada por vários conflitos, em que o Ocidente tem vindo a perder influência.

Por outro lado, o impacto no comércio global é significativo. Com pelo menos 17.000 navios a utilizar o Mar Vermelho anualmente, representando mais de 10% do comércio marítimo mundial e 20% dos volumes globais de contentores, as consequências são profundas. Para já, isso resultou num aumento nos prémios de seguro, e algumas das maiores empresas globais de transporte de contentores estão a optar por rotas alternativas, através do sul de África. Como consequência, estas viagens mais longas devem afetar gradualmente as cadeias de abastecimento e resultar em aumentos de preços para os consumidores, numa altura de fragilidade económica.

O Médio Oriente enfrenta desafios significativos, destacando-se o conflito entre Israel e o Hamas, com a influência do Irão em segundo plano. Neste contexto, os líderes ocidentais precisam abordar com cautela os ataques dos Houthis para evitar a escalada de conflitos, o fortalecimento de grupos islamistas contra países ocidentais e a possível deterioração da economia global.

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