
Realizou-se na passada sexta-feira, no Funchal, a Conferência Direito do Desporto e Política Desportiva, promovida pelo Conselho Regional da Ordem dos Advogados da Madeira – estão de parabéns o Dr. Brício Araújo e sua equipa, pelo mérito e sucesso da iniciativa.
Da intervenção que me coube - subordinada ao tema "A Política Pública Desportiva e o Financiamento Desportivo" – gostaria de poder partilhar consigo, caro leitor, algumas inquietações que pude partilhar. Não há, todavia, aqui, espaço para todas, pelo que enuncio duas e explano uma terceira.
Há, desde logo, dois temas, que aqui deixo enunciados, deixando o repto para que se estudem e debatam por quem de direito, a saber:
1. Como compatibilizar, em face da Constituição e da lei, as divergências entre as leis da República e as da Região Autónoma da Madeira (RAM), em matéria de desporto, ou seja, como compaginar juridicamente um "sistema desportivo nacional" e um paralelo "sistema desportivo regional";
2. Como materializar verdadeiramente, na prática, o famoso "princípio da continuidade territorial", uma vez que que, pese embora acolhido na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, na Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e na legislação regional, nem sempre se consegue, plenamente e ‘a tempo e horas’, corrigir os "desequilíbrios originados pelo afastamento e pela insularidade", em prejuízo da "participação dos praticantes e dos clubes" da RAM "nas competições desportivas de âmbito nacional."
Confio que possa haver tempo e espaço para esses debates, absolutamente necessários como resultou patente do contributo de intervenções institucionais e pessoais na referida conferência. Relativamente ao segundo tema, um bom ponto de partida pode ser, creio, aquilo sobre o qual o Tribunal Constitucional não se chegou a pronunciar, em acórdão de 2014, mas que deixou em aberto: a "questão de saber a quem incumbe financiar as deslocações dos atletas e clubes desportivos da Região Autónoma da Madeira para o território continental — se ao Estado, se à própria Região Autónoma, se a ambos e em que medida ".
Mas aquilo que, aqui e agora, gostaria de explanar prende-se com a valorização que a legislação da RAM dá ao binómio desporto/turismo e consequências práticas disso mesmo no desenho das políticas públicas e inerente financiamento ao desporto. Olhando a legislação regional, deparamo-nos, em particular, com o seguinte regime:
1. O desporto é uma das matérias que o Estatuto Político-Administrativo da RAM lista como sendo de "interesse específico" da RAM;
2. Um dos "princípios gerais da política desportiva" da RAM é a "valorização da Região enquanto destino turístico-desportivo";
3. No apoio que a Administração Pública Regional concede aos "eventos desportivos a realizar na Região", um dos critérios é a "promoção turístico-desportiva";
4. De acordo com a lei, a "política integrada de infra-estruturas desportivas", que cabe ao Governo Regional e às autarquias locais desenvolver, em articulação com entidades públicas ou privadas, um dos pressupostos é o "Fomento do turismo desportivo", indissociável de outros como sejam o "respeito pelos valores da natureza" ou o "fomento e preservação dos jogos tradicionais";
5. É permitido apoio ao "desporto profissional" (diferentemente do que sucede na legislação "do Continente"), com base na premissa de que não pode "honestamente ser negada a relevância que tal sector desportivo assume na promoção da Região Autónoma da Madeira e a sua natureza de instrumento privilegiado para a divulgação das suas inúmeras e reconhecidas valências turísticas", razão pela qual, por exemplo, se exija legalmente que nas "propostas de programa de desenvolvimento desportivo", entre outros elementos, as "sociedades desportivas" apresentem "proposta das acções que se propõem realizar, como veículos promocionais da Região Autónoma da Madeira."
Tudo isto fundamenta e explica as opções públicas vertidas no Regulamento de Apoio ao Desporto (RAD) e na portaria que o densifica (PRAD), escudando, juridicamente, algumas críticas públicas quanto a alegada discricionariedade do Governo Regional na concessão de verbas ao associativismo desportivo e a terceiros – sim, há mesmo uma norma autónoma para a "intervenção de terceiros", que expressamente habilita o aumento, indirecto, dos beneficiários do financiamento público.
É bem certo que a RAM tem especificidades próprias e que se trata, por natureza, de um destino turístico. Mas o legislador regional não se quedou por reflectir tal na lei; foi mesmo mais ousado: maximizou essa vertente e colocou-a como um dos pilares do desenvolvimento desportivo regional. E, isso, a meu ver, é inteligente e "reprodutivo".
À atenção, pois, do legislador/ decisor "do Continente", "com as necessárias adaptações" (para utilizar uma expressão que o próprio legislador "do Continente" conhece bem, porquanto a utiliza nas leis que adopta, quando prevê o dever da sua "adaptação" pelas Regiões Autónomas). Já há bons exemplos, como o do Regime Jurídico das Federações Desportivas, que inclui o "relevante interesse desportivo nacional" como critério para a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva a uma federação desportiva, no fito do "desenvolvimento desportivo do País, ou de algumas das suas regiões, através da organização de provas, eventos desportivos ou manifestações desportivas susceptíveis de projectar internacionalmente a imagem de Portugal". Mas, em meu entender, os exemplos ainda são poucos. Nesta matéria específica, penso, poderíamos aprender com a solução normativa da RAM.
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