Guterres na ONU. 100 dias depois, qual é o balanço?
Especialistas dividem-se: há quem fale em inacção e quem diga que trouxe "uma grande melhoria" para a organização
A 12 de Dezembro, sorridente, com Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa a assistir – abraçaria os dois de forma efusiva, pouco depois, – e com os 193 Estados-membro representados, António Guterres tomava posse como secretário-geral das Nações Unidas e prestava juramento sobre a carta da organização.
Não faltaram as promessas e intenções, proferidas em português, espanhol e inglês. A ONU, dizia o primeiro português a chegar à posição de secretário-geral, precisava "de se focar mais nas pessoas, menos nas burocracias" e necessitava de "novas abordagens para conflitos antigos". As grandes prioridades eram três: "trabalho pela paz, apoio ao desenvolvimento sustentável e reforma ao nível da gestão interna das Nações Unidas". 100 dias depois, qual é o balanço?
"Completa inacção…"
As opiniões dividem-se, entre os críticos e os defensores. E não haverá críticas muito maiores do que as feitas pela directora do gabinete da Amnistia Internacional junto das Nações Unidas, em Nova Iorque. Em declarações à Agência Lusa, Sherine Tadros mostrou-se crítica do trabalho do português nestes primeiros 100 dias à frente da ONU.
A responsável criticou ainda a postura do português na questão dos colonatos israelitas em Gaza - nomeadamente na resposta à resolução 2334, adoptada pelo Conselho de Segurança da ONU no final do ano passado e que condena a acção israelita. "Em vez de apresentar um relatório escrito sobre a falta de aplicação da resolução por parte de Israel", aponta Sherine Tadros, "o Secretário-Geral mandou um dos seus enviados fazer um update oral - sem nada escrito - aos membros do Conselho de Segurança. Isto mostra que Guterres não usou na totalidade os poderes que lhe foram dados pela resolução para trazer Israel à responsabilidade".
Também a postura de Guterres face à guerra civil na Síria mereceu reparos à responsável: "Mais uma vez vimos Guterres a dizer todas as coisas certas e a exigir moderação. Mas ainda está por ver como é que ele poderá ajudar a unir o Conselho de Segurança. Esta é a guerra que define [a futura prevenção de conflitos]. Tem de haver acção, se não num cessar-fogo, pelo menos na questão dos refugiados". Nem a luta pela paridade de género no interior da ONU (Guterres nomeou, por exemplo, três mulheres para cargos executivos superiores das Nações Unidas) lhe salva a face – se Tadros tivesse o velho hábito do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa em dar notas a responsáveis políticos, o chumbo era inevitável.
… Ou "uma grande melhoria"?
Opinião diferente têm alguns especialistas internacionais e organizações não governamentais de referência. Para o professor universitário Richard Gowan, especialista em relações internacionais, "Guterres causou uma primeira impressão muito positiva. Ele é muito previdente, dedicado ao seu trabalho e representa uma grande melhoria em relação a Ban Ki-moon".
O português, destaca este especialista (ouvido pela Lusa), teve "uns primeiro 100 dias muito difíceis, sobretudo devido à administração Trump". É que Guterres "está a tentar estabelecer-se num momento em que os EUA pedem grandes cortes ao orçamento da ONU. Muitos funcionários estão preocupados em saber se os seus empregos serão sacrificados. Diplomatas de outros países querem saber se ele vai enfrentar os EUA e criticar o presidente Trump em público, mas um grande embate iria causar-lhe um imenso problema político".
O sistema da ONU, acrescenta o responsável, "move-se devagar" – e Guterres "gosta de tomar decisões e agir rapidamente. é mais feliz quando está a viajar e a ver o trabalho da ONU no terreno. Visitou locais em conflito como a Somália e o Iraque. Ele quer realmente ver o que os seus representantes estão a conseguir, e isso é imensamente encorajador".
Já Jean Krasno, que liderou a campanha que tentou eleger uma mulher para o mais alto cargo diplomático do mundo, acredita que "até agora, o novo secretário-geral tem respondido aos desafios do trabalho". Porém, alerta: "Além de todas as ameaças à paz internacional e segurança que a ONU enfrenta, o Secretário-geral tem de encontrar o passo certo para manter o equilíbrio entre os estados membros, sobretudo entre os membros permanentes do Conselho de Segurança. E é aí que terá de lidar com os meandros quixotescos da administração americana".
A presidência Trump é um dos grandes problemas que Guterres vai ter de enfrentar, corrobora um relatório do Centro Internacional para Operações de Paz, assinado por uma diplomata que trabalhou para o anterior secretário-geral Ban Ki-moon, Tanja Bernstein.
Os desafios são hercúleos: a postura agressiva da Rússia, os conflitos árabes, a guerra na Síria, a luta pela igualdade de género, a crise dos refugiados, o terrorismo e o perigo nuclear que pode emanar da Coreia da Norte são "só" alguns dos (principais) ingredientes de um cocktail explosivo, que Guterres terá de evitar que rebente. Mas de um mundo em convulsão nem Guterres esperaria facilidades…
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