Em quinze anos uso de pesticidas no Brasil subiu 135%
Só o cultivo da soja foi responsável por 52% do consumo de pesticidas no país em 2015. O Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja, atrás apenas dos Estados Unidos.
Uma pesquisa denominada "Atlas do agrotóxico no Brasil e conexões com a União Europeia" mostra que em quinze anos, o uso de pesticidas no Brasil registou um aumento de 135%.
O levantamento, consultado pela Lusa, indica que o consumo destes tipo de produto no país saltou de cerca de 170.000 toneladas (200) , para 500.00 toneladas (2014) e que o Brasil consome sozinho cerca de 20% dos pesticidas vendidos no mundo.
Realizado pela professora Larissa Mies Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa descobriu que defensivos químicos como o glifosato, o mais vendido no país e que já foi relacionado ao cancro e alterações no DNA humano, tem presença cinco mil vezes maior na água potável no Brasil do que na União Europeia.
Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Ebrapa) na safra 2016/2017, a cultura da soja ocupou uma área de 33,89 milhões de hectares, o que totalizou uma produção de 113,92 milhões de toneladas.
O Atlas do agrotóxico no Brasil e conexões com a União Europeia" destacou que apenas o cultivo da soja no Brasil ocupa um território 3,5 vezes maior do que a extensão total de Portugal.
Em alguns casos, como o feijão e a soja, o Brasil permite o uso, respectivamente, de 200% a até 400% maior de pesticidas do que os países da União Europeia.
A pesquisa também indicou que hoje no país está autorizada a venda de 504 tipos diferentes de substâncias (agrotóxicas) e que, deste total, 147 substâncias, ou seja, quase 30%, são proibidas na União Europeia.
Tomando como outro exemplo o cultivo de café, o estudo frisou que "o Brasil exportou em 2016 um volume equivalente a 976 milhões de dólares [834 milhões de euros] apenas para a Alemanha, principal comprador da União Europeia (...) No Brasil, para o cultivo do café, estão autorizados 121 diferentes agrotóxicos, entretanto, deste 30 são proibidos na União Europeia, ou seja, um quarto ou 25%."
O debate sobre os pesticidas voltou a ser tema polémico em Junho passado, quando uma comissão especial da Câmara dos Deputados (câmara baixa parlamentar) do Brasil aprovou um polémico projecto de lei que pode flexibilizar o registo deste tipo de produto.
Chamado de Projecto de Lei 6299/2002, o novo sistema normativo foi concebido como uma modernização necessária da Lei dos Agrotóxicos do Brasil, em vigor desde 1989.
As principais alterações apresentadas no projecto - ainda em debate no Congresso - são a substituição do termo agrotóxico por defensivos agrícolas e a liberação de licenças temporárias para produtos já registados em pelo menos três países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Também está em discussão o estabelecimento do critério risco inaceitável à saúde ou ao meio ambiente para avaliar a liberação ou não da venda e uso de um novo tipo de agrotóxico.
A investigadora da USP considera em entrevista à Lusa que se aprovado, o Projecto de Lei 6299/2002 pode ter impacto muito negativo.
"Haverá um risco de nos tornamos mais vulneráveis porque, de acordo com o projeto, haverá a possibilidade de autorizarmos o uso de agrotóxicos por um período temporário que já está legalizado em 3 países da OCDE. Na OCDE temos a UE, Japão, os EUA, mas também países como México, Turquia e Chile [com legislações menos rigorosas] e, assim, poderíamos autorizar substâncias que não passariam por uma avaliação aqui", destacou.
Ela também alertou para o perigo da introdução do termo "risco inaceitável" na nova lei, usado como parâmetro para avaliar produtos que podem causar problemas de saúde.
Larissa Mies Bombardi lembrou que na lei actual [sobre o uso de pesticidas], o artigo sexto diz que os produtos que causam cancro, que produzem má formação fetal ou que produzem alteração genética são proibidos.
"No texto [Projecto de Lei 6299/2002] que está sendo discutido isto muda para produtos que tenham risco inaceitável. Introduz-se a expressão risco inaceitável e isto vai abrir uma janela jurídica que não poderemos fechar mais porque é difícil determinar o que é risco aceitável ou inaceitável do ponto de vista da má formação fetal ou do cancro", concluiu.
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