Morreu Astrud Gilberto, a voz "inglesa" de "Garota do Ipanema"

Casada com João Gilberto, Astrud foi uma das principais vozes do bossa nova, sendo responsável pela internacionalização da composição. A versão inglesa vendeu cinco milhões de cópias. Astrud recebeu 120 dólares.

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Morreu Astrud Gilberto, a voz 'inglesa' de 'Garota do Ipanema'
Diogo Barreto 06 de junho
Agência/Sábado

A cantora brasileira Astrud Gilberto morreu esta segunda-feira, 5 de junho, aos 83 anos. A notícia da morte da artista foi avançada pela sua neta, Sofia Gilberto, durante a madrugada desta terça-feira.

"Minha vovó Astrud Gilberto fez essa música pra mim, se chama 'Linda Sofia'. Inclusive, ela queria que meu nome fosse Linda Sofia. A vida é linda, como diz a música, mas venho trazer a triste notícia que minha avó virou estrela hoje e está ao lado do meu avô João Gilberto. Astrud foi a verdadeira garota que levou a bossa nova de Ipanema para o mundo. Foi a pioneira e a melhor", pode ler-se no texto de Sofia, também ela cantora.

Astrud Gilberto foi casada com João Gilberto, o nome mais importante da bossa nova, o género que levou a música brasileira ao mundo, na década de 60. É a voz de Astrud que se ouve na versão de A Garota do Ipanema gravada por Stan Getz no disco Getz/Gilberto (com arranjos de Tom Jobim), de 1963. O saxofonista norte-americano queria gravar a canção, mas João Gilberto não se sentia confortável para gravar a letra de Vinicius de Moraes em inglês. Foi então que Astrud, então com 22 anos, se chegou à frente, cantando uma versão em inglês do tema. A canção foi um êxito tremendo e catapultou o género brasileiro para o mundo anglo-saxónico. "Amo e amarei Astrud eternamente e ela foi o rosto e a voz da bossa nova na maior parte do planeta", afirma mesmo Sofia. 


Astrud nasceu em Salvador, no estado da Bahia, a 29 de março de 1940, filha de mãe brasileira e pai alemão. Astrud Gilberto foi casada com João Gilberto (1931-2019) entre 1959 e 1964. Dessa união nasceu um filho, o músico João Marcelo Gilberto, pai de Sofia.

Foi depois de casar com João Gilberto que Astrud deu início à sua carreira musical. Em 1963 o casal emigra para os Estados Unidos, onde gravaram o mítico disco com Stan Getz. Em 1965 os Grammy premiaram The Girl From Ipanema como Música do Ano. A canção venderia mais de cinco milhões de cópias em todo o mundo, quando lançada como single, mas Astrud não terá ganhado dinheiro algum com o sucesso do tema. 

No livro Bossa Nova: A História da Música Brasileira que Seduziu o Mundo, de Ruy Castro, o autor brasileiro escreve mesmo que João Gilberto terá recebido 23 mil dólares pelo seu trabalho no disco Getz/Gilberto, enquanto o saxofonista terá recebido mais de um milhão de dólares. Castro adianta ainda que Astrud terá sido paga de acordo com o que se pagava por uma noite de trabalho de acordo com o sindicato de músicos americanos: 120 dólares.

Em 2002, numa entrevista publicada no seu site, Astrud lamentou o aproveitamento feito por Stan Getz e Creed Taylor quanto ao seu sucesso. Os músicos contaram várias vezes terem sido eles a incentivar Astrud a cantar no tema: "Como sabe, ainda estava casada com João Gilberto aquando da gravação de The Girl from Ipanema. Antes da gravação nunca tinha cantado profissionalmente. Mas gostava de sublinhar a todos os que leram a versão distorcida de que eu era apenas uma dona de casa até que Stan Getz e Creed Taylor me descobrirem que apesar de não ter ainda sido paga para atuar, já tinha tido experiências como cantora junto de um clã de músicos talentosos, além das minhas sessões com o grande mestre, o próprio João Gilberto".

Em 1965, já depois de se separar de Gilberto, Astrud andou em digressão com Stan Getz e posteriormente lançou o seu primeiro disco a solo. Na carreira de quase 40 anos que se seguiria, iria gravar em português, inglês, espanhol, francês, italiano e alemão. Ainda participou em várias canções de lendas do jazz norte-americano como Gil Evans, Walter Wanderley ou Quincy Jones ao longo da vida, mas concentrou-se principalmente nas suas canções a solo (gravou 18 discos).

Em 2002 Astrud deixou de dar concertos, dedicando-se às artes plásticas e ao ativismo pelos direitos dos animais. Nos últimos anos (à semelhança do que aconteceu com o seu ex-marido João), Astrud viveu isolada num apartamento, com poucas ligações sociais. Morreu esta segunda-feira, aos 83 anos.

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