Da vasta e impactante obra que nos deixa, selecionamos seis canções que retratam o legado de um dos mais importantes compositores portugueses.
Por mais que nos sintamos tentados a lembrá-lo como multifacetado - certamente, uma das características mais salientes do seu trabalho -, talvez seja mais correto assinalar cada uma das suas facetas, todas elas essenciais na construção de um todo particular, inimitável e muito propriamente seu: o Fausto historiador, o investigador dos ritmos da tradição portuguesa, o ativista político, o Fausto apaixonado ou o Fausto explorador de sonoridades ainda pouco cartografadas.
Os seus melhores discos reúnem todas estas características e mais algumas - o dom da observação e de tecer narrativas como se de romance histórico se tratasse, a paixão pelos sons basilares da sua terra (que não era só uma, estendendo-se da Europa à Ásia, com África pelo meio) e a convicção de que a vontade de expandir os limites da música não tinha de ser contrária a esses sons. Recordemo-lo agora com cinco das melhores que nos deixou:
Do disco de estreia, editado na Holanda quando, com apenas 25 anos, foi reconhecido como uma das promessas da música portuguesa, destacamos esta canção, de intervenção, é claro, e em que se ouvem ecos das suas influências formadoras: os Beatles, Neil Young, Simon & Garfunkel e quiçá alguns ecos da primeira formação dos Pink Floyd.
O seu quarto disco,Madrugada dos Trapeiros, exibe esta faceta, bem como a dos seus dotes desenvolvidos de cantor-compositor, com o renovado primor de um álbum de estúdio pensado como tal - uma característica que Fausto desenvolveria em discos subsequentes. Se não uma das melhores, esta permanece uma das suas canções mais memoráveis.
Por Este Rio Acima (1982)
Há muitas canções que poderíamos escolher para este lugar, porque tantos foram os sentidos em que Por Este Rio Acima foi um marco histórico na música portuguesa - tão aclamado e, talvez, ainda um pouco subvalorizado.
Estamos tentados a assinalar a intrepidez de Como um Sonho Acordado e O Cortejo dos Penintentes, o ímpeto de O Barco Vai de Saída e Navegar, Navegar ou a beleza ímpar de Olha o Fado ou da faixa-título. Em última análise, fica a melhor recordada das canções do disco, que talvez reúna todas estas características, como um lembrete para revisitá-lo uma vez mais.
O Despertar dos Alquimistas (1985)
Seguindo-se ao seu melhor disco,O Despertar dos Alquimistasreproduz de perto uma fórmula obviamente vencedora, mesclando a sonoridade popular com uma ambição cada vez mais próxima do rock progressivo.
Há canções, comoO Conquistador, que rivalizam com alguns dos melhores momentos do seu irmão mais velho, mas emA Memória dos Dias, faixa inaugural do disco, Fausto tem não apenas o seu tema mais longo (com mais de 12 minutos), mas também o que mais se aproxima da grandiosidade e teatralidade de uma verdadeira ópera rock, com todos os arranjos de cordas e sopros a que tem direito.
Para Além das Cordilheiras (1987)
É certamente a mais emblemática canção de amor deixada por Fausto, e não é difícil perceber porquê: tão simples quanto enigmática, continua a maravilhar melómanos portugueses, com uma ponte instrumental desconcertante pelo meio e versos que ainda nos deixam a matutar naquela discordância verbal tão gritante.
"Foi por ela que eu já danço a valsa em pontas/Que eu passei das minhas contas, foi por ela". Há alguém que saiba o que isto significa e, em simultâneo, alguém que precise de explicação?
A Preto e Branco (1989)
Talvez o mais africano - e certamente o maisanos 80- dos discos de Fausto, está repleto de pérolas, a começar pela faixa de abertura, a incrivelmente ritmadaEra No Tempo dos Tamarindos, que também poderia constar desta lista.
No fecho, no entanto, deixa-nos uma mensagem de importância maior nesta hora, numa canção, também ela, superior: Quando eu morrer/Não me deem rosas/Mas ventos/Quero as ânsias do mar/Quero beber a espuma branca/De uma onda a quebrar/E vogar."
Fique com mais uma das canções emblemáticas de Fausto, interpretada ao vivo no CCB: