Reis e Rainhas são quem um Homem quiser - e Gwen McCrae foi monarca das pistas de dança. Eis cinco canções que garantem (ou deviam) a eternidade à cantora, que morreu com 81 anos.
Fora das monarquias e monarquias constitucionais, Reis e Rainhas são quem um Homem quiser. E Gwen McCrae foi monarca, sim, das pistas de dança e dos corações, das pulsações que acelerou com as suas batidas e canções.
A rainha da soul foi Aretha Franklin, esse trono está mais do que ocupado, mas no funk e na disco a realeza pode ir mudando consoante o dia. Hoje a rainha é Chaka Khan? Vai muito bem. Amanhã o trono é de Donna Summer? Ninguém se chateia. A seguir entronizamos Diana Ross, e depois as Sister Sledge, Tina Turner, Whitney Houston, Diana Ross, Gloria Gannor? Está tudo muitíssimo bem. Mas que ninguém esqueça "a cantora influente de funk e soul dos EUA" (e de disco, acrescentamos nós à BBC), "a grande Gwen McCrae" (elogiou o duo britânico de eletrónica Disclosure).
A cantora que "trouxe emoção à música de dança como nenhuma outra" (titulou o The Guardian) morreu no final da semana passada, com 81 anos. A notícia não fez parangonas de jornais mas o volume das suas canções ouvir-se-á sempre bem alto. Eis cinco canções que comprovam como McCrae foi um talento cintilante.
Não é a canção mais bem sucedida da carreira da cantora nascida em 1943 na Flórida, que nas últimas décadas foi samplada por gente como Lady Gaga, Avicii, Cypress Hill, Mobb Deep, Madlib e tantos outros, mas poucas rivalizam em intensidade e brilho enérgico. Lançada em 1979 como single, tem vindo a ser redescoberta desde que em 1999 o duo francês de house Cassius a samplou. Por outras palavras, desde que o duo pegou nas pistas vocais de McCrae no tema e levou a voz da americana para uma nova canção. Um baile diabólico, este.
"Um hit moderado de R&B", chegou a ser assim descrito este Keep The Fire Burning. Outra canção que tem vindo a ser redescoberta graças à internet, nos últimos anos, menos fogosa mas cheia de ginga, bamboleante, um delicioso crescendo para ir abanando o esqueleto gradualmente, mais e mais, até a canção terminar e o pobre ouvinte pensar "e se a ouvíssemos outra vez?".
As plataformas digitais e a internet vieram definitivamente mudar a história e o prazo de validade das canções. Hoje, por exemplo, Keep The Fire Burning lidera no Spotify, destacada, em número de audições (mais de 34 milhões de plays). Nos anos 1970 e 1980, Rockin' Chair era A canção de Gwen McCrae. Espécie de resposta a Rock Your Baby, tema que o marido George McCrae lançara pouco antes, é de uma elegância e classe difíceis de superar. Sensualidade, amor, prazer (com direito a gemidos no arranque e tudo) e calor condensados em três minutos e vinte e quatro segundos.
"How can I do the things I wanna do / When 90% of me is you?", pergunta Gwen McCrae nesta canção de amor e entrega, de destino atirado carris fora de tão forte é o amor? Na verdade, se atentarmos bem às letras, elas sugerem-nos que este amor de perdição é tóxico: "You control my eyes / I can see no one but you, baby / You control my mind / I can think of none but you / (...) I never thought it's possible / That I could be controlled like this". Ignoremos porém, neste momento difícil, a toxicidade que a letra sugere e fiquemos pelo som, puro e duro.
Aqui, não falamos de música de dança nem de balanço de pista. Falamos, isso sim, do groove do blues, de cordas sinfónicas que jogam bem com um ambiente noir de tensão. E falamos de uma versão de um tema do pianista e cantor de blues e rhythm & blues Latimore, lançado em 1974, que Gwen McCrae cantou bem antes de B. B. King (1989), Millie Jackson (1994) ou Etta James (2002). E que bem o fez: o talento vocal de McCrae revela-se aqui em todo o seu esplendor. Nota final: não deixe de descobrir também temas como Love Insurance ou Funky Sensation. Viva Gwen McCrae.