Seis astronautas estão a bordo de uma nave espacial para recolherem dados meteorológicos e realizarem experiências científicas. Pode imaginar-se que tenha sido esta a primeira frase a surgir a Samantha Harvey, escritora britânica que, tendo já quatro livros publicados, escreveu em 2024 um vencedor do Booker Prize.
Os astronautas de Samantha Harvey "(...) Estão suspensos nos sacos-cama. A um palmo de distância, para lá de uma pele de metal, o Universo espraia-se em simples verdades eternas", enquadra-nos, não sem uma nota de abstração. Depois, mais prosaica, descreve: "Na galé estão os restos do jantar da noite da véspera: os garfos sujos presos à mesa por ímanes e pauzinhos enfiados numa bolsa na parede. Quatro balões azuis flutuam pelo ar, uma bandeira de papel de alumínio diz Feliz Aniversário. Ninguém fez anos, mas era preciso celebrar e eles não tinham mais nada."
É sobre um dia, mais precisamente uma terça-feira, da vida destes quatro astronautas (dos Estados Unidos, do Japão, da Grã-Bretanha e de Itália) e dois cosmonautas (da Rússia), quatro homens e duas mulheres, seis habitantes da Estação Espacial Internacional, que este livro nos fala. As reflexões destes sobre a vida na Terra e o futuro da Humanidade convivem com as situações mais corriqueiras.
"Quando voltarem, como poderão sequer começar a dizer o que lhes aconteceu, quem e o que eram? Eles não querem vista que não aquela que têm da janela dos circuitos de painéis solares à medida que o seu caminho se vai afunilando em direção ao vazio", descreve-nos a voz narradora.
Essa mesma voz vai-nos apresentando um a um os astronautas. A astronauta Chie, por exemplo, sofre uma perda irreparável logo às primeiras páginas deste Orbital, e agarra-se ao que é mundano para sobreviver. Talvez para isso, faz uma lista de coisas irritantes na Terra e no Espaço, a saber: "Pessoas que não respeitam a distância de segurança; crianças cansadas; a vontade de dar uma corrida; almofadas com altos e baixos; fazer xixi no espaço quando se está com pressa; fechos encravados; pessoas a sussurrar os Kennedys."
Samantha Harvey, que nasceu em Kent, no Reino Unido, há 50 anos, e é licenciada em Filosofia (além de mestre em Escrita Criativa pela Universidade de Bath Spa, onde dá aulas) venceu o Booker Prize 2024 com este livro.
A crítica só lhe fez vénias. "A Virgina Wolf desta geração", escreveu o The Telegraph. "Harvey faz uma viagem extática... e olha para a Terra com os olhos de uma amante", disse o The Guardian. Quando recebeu o prémio, a escritora dedicou o prémio "a todos os que falam a favor e não contra a Terra, a favor e não contra a dignidade e outros humanos, a todas as pessoas que falam a favor de e apelam e trabalham pela paz".