Morreu Luís Oliveira, figura maior das letras portuguesas que se destacou pela publicação de obras de pendor progressivo e anti-capitalista na editora que fundou há 46 anos, a Antígona, que serviu também de repositório de conhecimento do pensamento de esquerda no País. O editor, que tinha 85 anos, faleceu de causas ainda indeterminadas.
A notícia foi confirmada pela editora, em comunicado que homenageou a sua construção de "um catálogo coerente, de língua de fora, centrado na crítica do mundo e um eterno elogio à inteligência dos leitores". "Dono de uma força imensa e de uma energia contagiante, fazia do mundo um «espaço de encontros que visam o prazer e a construção de um lugar ameno, deleitoso e voluptuoso»", lê-se ainda no texto. De acordo com a editora, a cerimónia fúnebre será reservada a amigos e família.
Ao longo da carreira de quase meio século na Antígona, Luís Oliveira pautou-se não só por uma linha ideológica claramente demarcada, expressa no seu logótipo instantaneamente reconhecível - uma cara com a língua de fora - como pela elevada exigência na publicação de textos, que excluía quase todos os autores nacionais. "É mais difícil um autor entrar na Antígona do que um camelo passar pelo buraco de uma agulha", lia-se na sua página de submissões espontâneas.
Privilegiou autores clássicos e estabelecidos de renome internacional - entre os mais sonantes, editou Pessoa, os britânicos George Orwell, Jonathan Swift e Laurence Sterne, os americanos Jack London, Mark Twain e Henry David Thoreau e os franceses André Breton e Marquês de Sade - mas também deu espaço a pensadores contemporâneos, em particular das áreas da filosofia, política e antrolopogia: Eduardo Galeano, Angela Davis, Anselm Jappe ou Achille Mbembe, entre outros.
A história da Antígona, que, a par da Orfeu Negro (gerida pela sua filha, Carla Oliveira, a partir do mesmo edifício, em Campo de Ourique), permance um dos poucos casos de uma editora independente de sucesso e longevidade em Portugal, confunde-se com a sua: "Eu sou a Antígona e a Antígona sou eu", disse, em entrevista ao jornal Público de 2019, altura em que celebrava 40 anos da editora.
Nascido e criado nos arredores de Tomar, Luís Oliveira abandonou a escola aos 14 anos por motivos de saúde, passando os três anos seguintes a devorar a biblioteca escolar - altura em que se apaixonou pelo mundo da literatura e decidiu que, "um dia, haveria de trabalhar com livros".
Antes de lá chegar, serviu como militar em Angola, trabalhou numa repartição de finanças em Santarém, como operário fabril na Alemanha e, de volta a Portugal, a vender máquinas agrícolas "da Quinta da Alorna até à Golegã". Foi este último trabalho que lhe deu os rendimentos para abrir a sua livraria, a Apolo, em Lisboa, no final dos anos 60, época em que começou a conviver com os poetas e escritores contemporâneos - entre eles, Herberto Helder, Graça Pina de Morais e António José Forte.
Com o nome já bem definido - "Antígona é uma personagem que sempre me fascinou, pela coragem, pelo amor, pela desobediência a Creonte" - abriu a editora em 1979, cujo primeiro sucesso, O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa, foi publicado sem os direitos de autor, que pertenciam à Ática.
"Fiz dezenas de edições e fiz muito dinheiro com esse livro", diria Luís Oliveira, que seria, mais tarde na sua carreira, criticado por ter mantido esta prática, sendo denunciado pelos escritores Pedro Jofre e João Pedro George por não pagar direitos de traduções das suas edições (a maioria das quais é de língua original estrangeira).
Em 2020, foi novamente criticado por ter entreposto uma providência cautelar à Clube do Autor pela publicação desta da obra 1984, de George Orwell, cujos direitos detinha até ao final do ano, exigindo que o livro saísse de circulação. "Embora eu não seja contra os piratas, esta edição é pirata", disse Oliveira na altura.
A distopia de Orwell foi um dos seus maiores sucessos de vendas, à semelhança de outras obras anti-autoritárias e politicamente interventivas: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, A Desobediência Civil, de Henry David Thoreau, O Papalagui, de Tuiavii de Tiávea, ou As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano.
Paralelamente, editava pensadores destacados da grande corrente de pensamento marxista - além do próprio Karl Marx, Piotr Kropotkine, Guy Débord, Jacques Rancière, Noam Chomsky - bem como os seus precursores liberais e libertários: Voltaire, Rousseau, Sade e Condorcet. "Quando leio um livro e gosto desse livro, penso é se ele é importante para ajudar a tornar as pessoas mais livres. Na Antígona, a questão é sempre esta", disse Oliveira.