Parte do portefólio da Vinha Barca do Inferno, de Alenquer
No mundo do vinho, muito se fala das variedades doces, e por bom motivo. Seja deixando a uva por mais tempo na vinha para que acumule o açúcar da maturação extra -- os chamados colheitas tardias --, seja interrompendo a fermentação a acrescentar aguardente, travando a transformação do açúcar em álcool -- os vinhos generosos, como o Porto, o Madeira ou o Carcavelos --, os vinhos doces são alguns dos melhores e mais cobiçados feitos em território nacional.
Uma prova da multiplicidade do vinho, ainda assim, está nos vinhos ditos "salgados" (mais corretamente: salinos), muito menos falados -- dado que não são oficialmente uma categoria distinta dos "tranquilos" -- mas igualmente sedutores para quem é fã deste perfil muito particular.
Diferentemente do que acontece no processo para obtenção dos doces, em que o açúcar é angariado na vinha e potenciado na adega, aqui o sal no vinho é obra do terroir. Muitas vezes ligado a solos arenosos (a salinidade é por vezes associada a um perfil mineral, como na micro-região de Colares), o perfil depende da proximidade da vinha do oceano, que cobre as películas das uvas de maresia e confere ao vinho frescura, acidez e uma dose de salinidade que será tanto maior quanto mais perto do mar estiver.
A diferença é palpável. Nos cursos de introdução à prova de vinhos, os terroirs portugueses são divididos, grosso modo, em três grandes grupos -- vinhos de montanha, vinhos de planície e vinhos atlânticos. Neste último grupo, cabem as regiões de Lisboa, Bairrada, Vinhos Verdes, Açores e Madeira. Identificá-los às cegas passa por ir à procura das suas principais características: álcool baixo, pouco corpo, acidez alta.
Ocorre que nem todos os vinhos atlânticos são marcadamente salinos, nem todos os salinos necessariamente atlânticos. Na Costa Vicentina, do forte e estruturado Alentejo, há vinhos tão salgados que deixariam a boca seca, não fosse a acidez a puxar pela salivação.
No que a vinhos salinos toca (em particular brancos, mais procurados por esta característica), Lisboa é sempre uma aposta segura, em particular nãs regiões de Torres Vedras e Colares -- pense em nomes como a Adegamãe ou Viúva Gomes -- mas a Barca do Inferno, mais próxima de Alenquer, produz uma das mais evidentes e facilmente identificáveis versões deste perfil, por um preço bastante simpático para a qualidade.
Numa garrafa azul bastante distinta, o Mar do Inferno Arinto Atlântico é o resultado de uma casta natural de Lisboa (diz-se que terá nascido em Bucelas) exposta à uma significativa influência marítima. O resultado é um vinho com um toque salino muito claro (esta nota nem sempre é a mais discernível) e acidez muito alta, com algumas mais subtis notas de fruta branca e um final muito prolongado. Para acompanhar peixes, saladas e principalmente marisco fresco, é um branco farto e exuberante, de personalidade vincada e que não deixa ninguém indiferente.