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A Sintra antiga, a moderna e a gulosa

Seguimos um roteiro turístico num veículo eléctrico, sem poluir pulmões ou ouvidos alheios. Dormimos num hotel construído em 1803, o Tivoli Palácio de Seteais, estivemos na inauguração do novíssimo Vila Galé Sintra e perdemos a conta aos tuk-tuks com que nos cruzámos.

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A Sintra antiga, a moderna e a gulosa
Markus Almeida 16 de junho de 2018 às 09:00

Pouco passa das 19h quando alguém bate à porta do quarto do hotel. "Deseja serviço de abertura de cama?", pergunta um empregado do histórico Tivoli Palácio de Seteais. A resposta só poderia ser "sim". Não por precisar que me abram a cama, mas porque embora já tenha dormido em hotéis de cinco estrelas com este serviço no seu repertório, a questão, na verdade, nunca antes me tinha sido posta.

É o tipo de detalhe que distingue o Palácio de Seteais, como o uso de chaves à antiga em vez de cartões de leitura magnética, os frescos pintados nas paredes e nos tectos dos 30 quartos - e, de resto, em quase todas as divisões. Mas há mais neste palácio construído em 1803 e tornado hotel em 1955: o mobiliário antigo, o ranger do soalho no andar de cima, o não se saber por vezes se estamos num hotel ou numa casa-museu - ou a localização, a dezenas de metros da Quinta da Regaleira e a 1 km do Parque de Monserrate, com vista desafogada para a Várzea de Sintra e para o mar a partir dos jardins privados do hotel e para o Palácio da Pena a partir do jardim público.

Mais recente é a sala de provas de vinhos, inaugurada em Novembro em parceria com a Adega de Colares. Por outras palavras, quem, por motivos logísticos, não puder visitar a adega tem sempre a opção de marcar uma prova no hotel e assim conhecer melhor a história e os sabores destes vinhos feitos de castas que sobreviveram à praga de filoxera destruidora de vinhas no século XIX - a malvasia e a ramisco. São castas expostas aos ventos atlânticos e que dão vinhos salgados. As provas são abertas ao público e custam entre 25 e 40 euros. O ideal, contudo, é dar um salto até Colares para visitar a adega regional e os produtores.

O enxame de tuk-tuks

A manhã nasce esbranquiçada em Seteais, como se uma nuvem tivesse descido à serra e engolido o hotel. Nem a Portela de Sintra - penúltima estação da linha de comboios - escapa ao denso e famoso nevoeiro da região. Nem assim se tornam menos visíveis os angariadores de tuk-tuks amontoados à saída da estação, à espera do desembarque dos turistas para lhes oferecerem os seus serviços.

Da estação ao centro histórico são 10 minutos a pé. É a caminhar que se consegue conhecer os meandros da vila e do seu principal património histórico e turístico: pátios, escadas, corredores e galerias que se interligam no Palácio Nacional de Sintra, também conhecido como Palácio da Vila, e motivo da primeira paragem do dia. A origem do antigo palácio real remonta a um período em que Portugal ainda não era Portugal, em que D. Afonso Henriques não tinha ainda descido a Lisboa (a conquista da capital aconteceria em 1147). Ou seja, tem origem na ocupação moura. Novos corpos foram acrescentados nos séculos seguintes à estrutura moura do palácio, que mantém desde o século XVI a mesma silhueta de hoje - uma mistura de elementos arquitectónicos góticos, manuelinos, renascentistas, medievais e românticos.

Retomada a caminhada, é quando nos afastamos e começamos a subir a serra que as duas chaminés do palácio - uma das imagens de marca de Sintra - se evidenciam.

Em cima de tuk-tuks ou a caminhar nas estradas, o encontro com turistas é inevitável - a maioria a falar inglês com pronúncia americana ou português com pronúncia brasileira. Uma nota para estes veículos: empestam o ar com o cheiro da gasolina queimada e fazem um barulhão. Nada disto liga com os ares frescos da serra ou o silêncio contemplativo da fauna e da flora local.

Para dar descanso às pernas e poupar tempo, fizemo-nos turistas e entrámos não num tuk-tuk, mas num veículo eléctrico. Um Renault Twizy operado por uma agência de turismo (ver caixa ao lado), mas conduzido pelo turista em questão. Este E-Car é entregue com uma bolsa que tem uma pen de Internet móvel, uma bateria extra e cabos para iPhone e aparelhos Android, para que nunca falte energia à pen e ao nosso telemóvel onde a simpática Joana introduziu, no Google Maps, as coordenadas do roteiro. Por WhatsApp chegam informações sobre os locais a visitar, património histórico como provavelmente não haverá em mais lado nenhum em Portugal, mas só quando o carro pára, por exemplo, nas imediações do Palácio de Monserrate: "É um palácio mongol muito importante para a cultura britânica, pois numerosos escritores famosos, como Lord Byron e William Beckford, encontraram inspiração aqui para escrever algumas das suas obras-primas", lê-se.

Quando falhamos a saída para o Convento dos Capuchos, toca o telefone. Número desconhecido. Atendemos, é a Joana: "Só para dizer que falharam a saída e têm de inverter a marcha." A localização dos E-Cars é controlada à distância para evitar que os condutores se percam na serra, o que - está visto - não é difícil de acontecer.

O roteiro pré-definido de um dia começa na Quinta da Regaleira e continua pelo Palácio de Seteais, Palácio de Monserrate, Azenhas do Mar, Praia das Maçãs e Cabo da Roca. Dá a volta à serra, passa pelo Convento dos Capuchos, Castelo dos Mouros, Palácio da Pena e termina no Palácio Nacional de Sintra. Como as coordenadas estão gravadas no telemóvel, cabe sempre ao incauto turista a decisão sobre o próximo destino a visitar.

Novidades na várzea

No caso deste turista, as praias foram visitadas noutro dia, depois de assistir à inauguração do 30º hotel do grupo Vila Galé. Construído de raiz na Várzea de Sintra e inaugurado a 12 de Maio, o novo cinco estrelas deste grupo hoteleiro tem um conceito ligado à saúde e ao bem-estar e uma espectacular piscina interior de onde só se vê verde - ou não estivesse virada para a serra.

A estrada que vai dar ao hotel passa pela Várzea de Sintra, pequena localidade com uma concentração pouco habitual de restaurantes de qualidade e que servem em quantidade. São restaurantes como a Petiscaria CASA, a Adega do Saraiva ou o Curral dos Caprinos, e que pedem um almoço demorado, seguido de um passeio na praia para desmoer. No terreno da alta gastronomia, do outro lado da serra brilha a estrela Michelin do Lab by Arola, no Penha Longa Resort.

Já na Praia Grande, a piscina oceânica do Arribas Sintra Hotel continua a resistir à força do mar. O que não resistiu - mas ao tempo - foi o manto amarelo torrado que o cobria desde a inauguração, nos anos 60. O hotel tornado ícone pelo filme do alemão Wim Wenders O Estado das Coisas, em 1982, exibe agora uma pintura em tons de cinza-claro. O filme, por sua vez, continua a preto e branco.

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