As teorias da conspiração associadas a filmes e séries de animação não são novidade, mas raras são as vezes em que estas polémicas, que nascem geralmente nas redes sociais, geram debate público e levam políticos a manifestar-se. Foi o que aconteceu em 2017, quando o livro escolar UY Siglo XX, escrito pela professora Silvana Pera, foi utilizado no Uruguai para explicar o comunismo através de uma analogia com os smurfs - que voltaram ao centro da discussão mediática no entretenimento na última semana, com a estreia de Smurfs: O Grande Filme.
Naquele livro, as personagens azuis eram colocadas ao lado de uma fotografia de Vladimir Lenine. "Talvez o seguinte exemplo ajude a entender a ideia da sociedade comunista. Conhece os Smurfs? Eles são uma comunidade que vive numa aldeia," pode ler-se no livro, citado nesse ano pela BBC.
"Todos têm deveres com a comunidade, por exemplo ocupam-se daquilo que sabem fazer. O smurf cozinheiro vai cozinhar, o smurf carpinteiro vai consertar o que partir e, assim, cada um da comunidade oferece o seu trabalho e recebe o trabalho dos outros", enunciava ainda o exemplo em questão. Criados pelo cartunista belga Pierre Culiford (1928—1992), em 1958, os smurfs são criaturas azuis que usam a mesma roupa e vivem numa "aldeia encantada", em casas que fazem lembrar cogumelos.
O Grande Smurf é o líder da comunidade e o feiticeiro Gargamel é o principal inimigo, premissa que se manteve nas adaptações que foram feitas posteriormente para cinema, inclusive no novo filme da saga, de Chris Miller, que estreou a 17 de julho nos cinemas portugueses. Cada smurf contribui para a aldeia com uma função, em ambiente de amizade e cooperação.
Após a divulgação do livro UY Siglo XX, José Amorín Batlle, na altura deputado pelo partido paraguaio Colorado, manifestou-se no antigo Twitter (atual X). "Não há fome na Coreia do Norte? Não há miséria em Cuba?", escreveu.
À época, o deputado do Partido Nacional, Pablo Iturralde, também anunciou que iria pedir explicações sobre a utilização do livro à ministra da Educação e Cultura, María Julia Muñoz. E de acordo com o artigo da BBC, a polémica levou a direção da Anep (Administracão Nacional de Educacão Pública do Uruguai) a estudar o assunto.
Esta não foi a primeira vez que as personagens azuis geraram polémica. Em 2011, o livro Le Petit Livre Bleu (O Pequeno Livro Azul, em tradução literal), de Antoine Buéno, afirmava que os smurfs eram racistas e viviam num regime totalitário. "Isso não vos faz lembrar nada? Uma ditadura política, por exemplo?", afirmou, citado pelo The Guardian, referindo-se à forma de viver dos smurfs. Na altura, houve vários fãs da saga a manifestar-se contra a análise de Antoine Buéno.
Por outro lado, o filho do criador dos Smurfs, Thierry Culliford, já se manifestou em entrevistas contra esta teoria e afirmou que o pai não se interessava por política.