Ana Paula Tavares vence o Prémio CamõesDR/Correio da Manhã
A escritora, professora e defensora dos direitos das mulheres Ana Paula Tavares tornou-se esta quarta-feira na primeira mulher angolana a conquistar o Prémio Camões, ao fim de 37 edições deste galardão.
Depois de Pepetela, em 1997, e de Luandino Vieira, em 2006, o júri do Prémio Camões distinguiu esta quarta-feira Ana Paula Tavares, nascida no Lubango, na província de Huíla, em Angola, há 72 anos (vai cumprir o 73.º aniversário no final deste mês).
Estudou História na Faculdade de Letras do Lubango e completou essa formação já em Lisboa, sendo mestre em Literatura Brasileira e Literaturas Africanas de Línguas Portuguesa pela Universidade de Lisboa e doutorada em Antropologia da História pela Universidade Nova de Lisboa, como recorda a biografia disponibilizada pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) no comunicado de anúncio do prémio.
Jubilada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2023, foi homenageada na altura com um congresso intitulado “Viva no Tempo e no Espanto”, que celebrou a vida e carreira de uma “figura sólida da moderna literatura angolana, [que] é hoje uma referência incontornável em todo o espaço da língua portuguesa”.
Questionada pela professora da Universidade de Coimbra Doris Wieser sobre “quem é Ana Paula Tavares” para uma entrevista, em 2020, publicada no portal Buala, contou que, quando era criança, “era muito comum entre as famílias angolanas da época, famílias menos favorecidas, deixar que os seus filhos fossem criados por padrinhos portugueses mais ricos e que poderiam dar a essas crianças uma maior possibilidade de frequentar a escola, o liceu e, quem sabe, a própria universidade”.
“Desde muito criança fui viver com os padrinhos portugueses duma aldeia daqui de Portugal, perto de Viseu, e que foram para Angola nos anos 20 do século XX. Era gente que tinha construído uma fábrica e lojas numa região que não era a sua. No entanto, a minha madrinha, por exemplo, tinha recriado, para além da casa, um pomar com todas as árvores típicas de Viseu, com todos os animais típicos da sua região de origem. Nessa casa, rodeada de laranjeiras, figueiras, morangueiros etc., eu cresci”, contou, lembrando que a Angola da sua infância era “uma sociedade profundamente violenta e injusta, onde a divisão entre brancos e negros era bem evidente”.
Na altura, à autora de “No fundo tudo é simples” era “completamente interdito” o uso das línguas bantu que a rodeavam, como disse na mesma entrevista, num esforço dos padrinhos para a “ensinar a ser portuguesa”.
Ana Paula Tavares fez parte da “novíssima geração” dos anos 1980 e é “uma das vozes femininas angolanas que tem, desde sempre, manifestado uma grande preocupação com a condição da mulher no seu país”, como é classificada na sua entrada da Infopédia.
Nesse mesmo texto, é referido que Tavares “usa a palavra poética através de um ‘sujeito poético’ feminino, como veículo de denúncia e de libertação da carga tradicional, enquanto jugo opressor da mulher africana”.
No ano passado, nas Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, a autora apelou aos portugueses para que não deixassem o “25 de Abril acabar em março”.
“E não esqueçamos que os africanos têm aqui um papel importante, não esqueçamos os africanos, que os africanos não se esqueçam de nós, que Amílcar Cabral não é só o problema de ele fazer 100 anos, é muito mais do que isso, é aquilo que ele escreveu, é aquilo ele disse, e que essas liberdades todas de que temos falado aqui tão insistentemente, essas coisas que estiveram para acontecer, também se decidiram no continente africano”, acrescentou Ana Paula Tavares.
Ao longo da carreira, trabalhou em áreas como a Museologia, o Património, a Animação Cultural, Arqueologia e Etnologia, tendo colaborado com múltiplas organizações, desde a Associação Angolana do Ambiente ao Comité Angolano do Conselho Internacional de Museus (ICOM), Comité Angolano do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e Comissão Angolana para a UNESCO.
A bibliografia – que se começou a desenhar no pós-independência de Angola - de Ana Paula Tavares é extensa e multifacetada, tendo a Caminho editado uma poesia reunida em 2023, a que foi acrescentado um livro de originais de nome “Água Selvagem”.