Peter Handke em entrevista: "Filmes são para os jovens que lhes dedicam a vida"
"Os filmes salvaram-me a vida, quando era novo, na Áustria rural, onde vivia", contou o recém laureado com o Nobel da Literatura de 2019.
A Lusa entrevistou Peter Handke em 2009, quando este passou pelo Lisbon Estoril Film Festival.
Depois de realizar três filmes e assinar argumentos de outros, o escritor austríacoPeter Handkedecidiu dedicar-se em exclusivo à literatura, porque "os filmes são para a gente jovem que lhes dedica toda a vida".
Em entrevista à Lusa, em Portugal, onde se encontra para participar na 3.ª edição do Estoril Film Festival, Peter Handke, de 66 anos, romancista, dramaturgo e poeta, classificou a sua passagem pela realização cinematográfica como "um pecado de juventude", justificado pelo seu amor ao cinema.
"Talvez não tenha sido bom... Mas eu era um tal fanático, um tão grande amante de filmes - salvaram-me a vida, quando era novo, na Áustria rural, onde vivia. Havia um pequeno cinema na minha aldeia e aí vi, sem saber que eram grandes mestres, 'westerns' de John Ford, filmes de suspense de Hitchcock e apercebi-me de que se tratava de uma espécie de interpretação do mundo através da arte de contar histórias, com imagens e sons", recordou.
"Mais tarde - prosseguiu -, vi os filmes japoneses, [Yasujiro] Ozu e [Kenji] Mizoguchi e, não sei porquê, foi uma espécie de pecado começar a fazer filmes quando era jovem. Alguém me propôs isso quando me tornei, como se costuma dizer, um bocadinho famoso, quando tinha 25 anos. Propuseram-me fazer um filme, porque eu estava sempre a falar de filmes, e por isso realizei dois ou três, mas agora penso que não devo fazê-lo mais, enquanto escritor".
"Os filmes são realmente para a gente jovem que lhes dedica toda a vida. Devemos deixar os filmes para os jovens cineastas que investem todas as suas vidas na realização de filmes", defendeu.
Depois de realizar e escrever os argumentos das longas-metragens "L'Absence" (1993), "Das Mal des Todes" (1985) e "A Mulher Canhota" (1978), filme baseado no seu romance homónimo, e ainda, entre outros, os argumentos de "As Asas do Desejo" (1987) e "A Angústia do Guarda-Redes antes do Penalti", realizados por Wim Wenders, Peter Handke percebeu que a sua maneira de contar histórias não era através de imagens e sons.
"Agora, considero-me um escritor de prosa, um contador de histórias através da linguagem. Prefiro escrever e estar sozinho. Quando estou a trabalhar com outras pessoas, sinto-me uma fraude. Quando estou sozinho, sinto-me um pouco menos", indicou.
Sobre as suas personagens, disse o escritor: "Não há personagens nos meus livros. Acho que há uma espécie de silhuetas e o leitor pode transformá-las em personagens".
"Acho que existe um forte vazio nas pessoas da minha prosa, mas quando as lêem, os leitores constroem as personagens, podem preencher as silhuetas. Este é o meu ideal. Penso que no século XIX, Stendhal e Flaubert e Tolstoi criaram personagens. Agora, acho que o tempo das personagens acabou - as personagens estão no leitor", sustentou.
E histórias, ainda existem histórias, ou já foram todas contadas e o futuro da literatura reside em inovar na linguagem?
Peter Handke é de opinião de que "se deve evitar tanto a via da linguagem como a da história e tentar encontrar um caminho entre elas".
"Apenas se deve sentir a linguagem, não devemos ser colocados dentro dela. Por outro lado, só história, sem o perfume da linguagem, a alma da linguagem, já não funciona. É preciso encontrar uma terceira via. A linguagem é muito essencial, mas se se puser sempre o dedo na linguagem, o livro torna-se muito chato - isso tiraniza o leitor. Mas se apenas se contar a história e não houver interesse na linguagem, o livro não é interessante em nenhum sítio do mundo", observou.
Para o escritor, "o perigo da linguagem é um grande perigo e, embora o relato de uma história não seja perigoso, mata o leitor, mata a alma do leitor".
"É esse o meu problema: não colocar demasiado peso na linguagem e não contar apenas histórias. Encontrar um equilíbrio", referiu.
Autor reconhecido e premiado, Handke considera que a melhor recompensa que um escritor pode ter é "uma recompensa pequena, uma recompensa [a uma escala] regional, de pessoas que conseguem realmente ler a língua do país de que ele é originário, dos seus verdadeiros leitores".
"Eu não sou uma boa pessoa para prémios, gosto de prémios para os outros, disso gosto. Mas sinto-me muito estranho, não é bom para mim. Eu gosto quando um leitor me escreve uma carta. Esse é que é o meu tipo de recompensa".
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